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Phantom

Ano: 1922

Realizador: F.W. Murnau

Actores principais: Alfred Abel, Frida Richard, Aud Egede-Nissen

Duração: 125 min

Crítica: Acho que nunca um filme tratou tão incisivamente as consequências do amor à primeira (e única!) vista, como ‘Phantom’, de 1922.

‘Phantom’ é um filme mudo, feito na época de ouro do cinema alemão, realizado por um dos maiores artistas cinematográficos que essa década produziu: F.W. Murnau. Murnau foi o homem que realizou ‘Nosferatu’ (1922) nesse mesmo ano, e mais tarde realizaria o magnífico ‘Sunrise’ (1927), bem como ‘Tabu’ (1931), o seu último filme antes da sua morte prematura aos 42 anos num desastre de viação. O argumento de ‘Phantom’ (adaptado de um livro de Gerhart Hauptmann) provém de outra grande artista dessa época: Thea von Harbou, que na altura era casada com Fritz Lang, e que foi a argumentista de clássicos como ‘M’ (1931), ‘Metropolis’ (1927) ou os filmes da série do ‘Dr. Mabuse’. A sua colaboração com estes dois homens terminou quando se recusou a fugir para a América com Lang, se divorciou dele e abraçou a ideologia Nazi.

Mas muito antes disso, em 1922, Murnau tinha acabado de ter uma enorme projecção com o seu filme brilhante, e completamente inovador, ‘Nosferatu’. Portanto, quando mais tarde no mesmo ano, o seu filme seguinte, pelo nome de ‘Phantom’, chegou às salas de cinema, o público estava à espera de outra fantasia de teores sombrios. Mas os fantasmas que ‘Phantom’ retrata são outros. São os fantasmas da alma e da consciência. Por assim ser, acaba por consistir, para o público que olha para este cinema com a distância de quase um século, uma boa prequela para a complexidade emocional que o visionamento de ‘Sunrise’ (‘Aurora’, em português) proporciona. Acaba por ser uma preparação, digamos assim, um apalpar de terreno por parte do realizador, se se vir os dois filmes na sua sequência cronológica (não foi o meu caso – já conhecia muito bem ‘Sunrise’ antes de ver ‘Phantom’), mas a verdade é que, se isoladamente 'Phantom' até tem as suas virtudes, quando comparado com a obra-prima intemporal do cinema que ‘Sunrise’ é, não chega minimamente perto.

‘Phantom’ conta a história de um homem ingénuo e inocente que, por amor (ou a falsa ilusão de amor) tem um percurso emocional descendente até se embrenhar nas teias da corrupção e da vergonha social. Mas como a história é contada através de flashbacks, sabemos logo à cabeça que a história terá um desfecho mais alegre, o que poderá retirar alguma tensão ao filme. A personagem central do filme, Lorenz Lubota (interpretado pelo actor Alfred Abel) é um pobre funcionário público, solteiro, dedicado à sua mãe, que aspira um dia ser poeta. A sua mãe é uma idosa que precisa de cuidados, o seu irmão aparece apenas num par de cenas e é virtualmente irrelevante (quer para a história, quer para o filme) e a sua irmã escolhe ‘escapar’ para a má vida, ou seja, torna-se uma prostitua. O namorado desta, que também será importante para a história, é um homem de clara ‘má rés’. Aqui está a premissa ‘trágica’ e ‘dramática’, corrente em muitos filmes mudos, que é dada com pinceladas por vezes teatrais que podem parecer estranhas ao público moderno. 

Mas nem tudo é tragédia. Lorenz tem uma tia que é rica e que confia nele e que poderá ser a sua salvação, e um editor seu amigo, que acredita nos seus talentos, tem uma filha que o ama, embora Lorenz não se aperceba disso. Mas o público já viu na primeira cena do filme que ambos acabarão por casar e que terão uma vida juntos, portanto mais uma vez há sempre uma luz ao fundo do túnel que acaba por ser uma companhia incómoda nas partes mais trágicas do filme. O público não torce pela personagem, ou, no extremo oposto, não tem o desejo mórbido que ela se afunde mais. O filme deu a solução logo no início, portanto nega emoções e expectativa ao espectador. 

O despoletar da história é, para ser sincero, algo estúpido, e a grande falha do filme. Um dia Lorenz é atropelado. Uma mulher ajuda-o a levantar-se. Ele olha para ela e, como que atingido, literalmente, pelo cupido, apaixona-se instantaneamente. Segue-a até casa e, a partir desse momento nunca mais a volta a ver. Nunca. Foram 5 minutos de tempo de acção, ainda menos de tempo de filme. Mas Lorenz fica completamente apaixonado e isso determina inequivocamente a sua queda emocional, espiritual e social. De alguma forma convence-se que precisa de dinheiro para fazer a corte a esta mulher. Então, torna-se presa fácil para o namorado da irmã, cheio de más intenções, e para uma prostituta, que é a cara chapada da mulher que ele ama, ou melhor, que ele pensa que ama.

Juntos, o namorado da irmã e essa prostituta, convencem Lorenz a roubar a sua tia, e mais tarde, tal como as más companhias de Victor McLaglen no clássico ‘The Informer’ (1935) de John Ford, esbanjam o dinheiro todo em álcool, festas, prendas caras e afins. Lorenz hesita sempre, e sempre se arrepende, mas a sua incontrolável obsessão pela mulher que pensa amar e as ameaças das duas sanguessugas de que o vão denunciar a não ser que ele faça o que elas querem, fá-lo denegrir-se cada vez mais, enterrar-se cada vez mais fundo. Lorenz perde o emprego, a sua mãe adoece com mais gravidade, tenta extorquir mais dinheiro à tia e assim sucessivamente numa espiral viciosa interminável. Mas, como o início do filme imediatamente nos revelou, o destino arranja maneira de salvar Lorenz e de o pôr no trilho correcto.

Murnau era um realizador meticuloso e delicado, portanto este retrato de degradação, sofrimento e, por fim, redenção, é mostrado de uma forma magnífica e comovente, com todas as pontas emocionais bem entrelaçadas, e com toques de sentimentalismo e suavidade como aqueles que se podem encontrar nos filmes de Griffith com Lillian Gish ou no próprio ‘Sunrise’. Mas ‘Phantom’ tem duas falhas grandes. Primeiro o motivo da ‘queda’, ou seja, o evento que catalisa a história. Uma mulher que ele vê uma vez cerca de um minuto? Não parece fazer muito sentido. Lorenz mente, rouba, perde o emprego, por uma mulher com quem nunca passou um único momento? Portanto a questão que imediatamente me surge é que Lorenz poderá na realidade não ser tão inocente e ingénuo como é retratado no filme. Não foi ele atraído pelo aspecto carnal? Não estaria ele a tentar satisfazer um desejo, em vez de satisfazer a alma? Era ele o ‘santo’, o coitado levado por más companhias, que o filme tenta convencer o espectador que era? Em segundo lugar, o filme parece-me demasiado longo. Após algum tempo, a história estagna e não evolui mais. Ele arrepende-se, deseja regenerar-se, mas não consegue devido à chantagem que é exercida sobre ele. E esta sequência fechada de eventos desenrola-se em círculo durante ainda algum tempo de filme. Meia hora a menos de película produziria exactamente os mesmos resultados emocionais e narrativos.

Mesmo assim, ‘Phantom´ é ainda um filme mudo que se consegue ver com facilidade, que conseguiu livrar-se, na maior parte das vezes, da síndrome de ser ‘datado’, e que tem, como disse (nenhuma outra palavra assenta tão bem) uma aura de delicadeza. A corrupção da alma por amor, é também o tema central de ‘Sunrise’ mas os dois filmes não existem no mesmo plano. Se considerarmos ‘Sunrise’ profundo, então ‘Phantom’ só pode ser superficial. Se considerarmos ‘Sunrise’ emocionalmente intenso, então ‘Phantom’ fica aquém, e é apenas bem gerido e bem filmado em termos de emoções. E soa sempre estranho o facto, por um lado, de não serem credíveis os motivos dramáticos que conduzem a acção, e por outro, o facto de o filme ser ‘estragado’ por si próprio, ao revelar imediatamente o final.

Não é definitivamente o melhor trabalho de Murnau, mas é um pedaço da história do cinema que pode ser abordado com interesse, podendo até chegar a surpreender. Ainda mais interesse terá se soubermos que o filme foi considerado perdido durante décadas, até que há uns anos uma cópia intacta foi encontrada e restaurada. Hoje existe em DVD, inclusive numa versão legendada em Português, que nos chegou de Espanha através da editora Divisa – Colecção ‘Origens do Cinema’.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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