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Viva Las Vegas

Ano: 1964

Realizador: George Sidney

Actores principais: Elvis Presley, Ann-Margret, Cesare Danova

Duração: 85 min

Crítica: Ver o filme ‘Viva Las Vegas’ de 1964 provoca um reacção imediata no espectador. Fica, de um momento para o outro, com vontade de gritar bem alto uma exclamação de alegria. Mas não fique a pensar, caro leitor, que essa exclamação é “Viva Las Vegas”! Pelo contrário, a expressão é, muito simplesmente, “VIVA ANN-MARGRET!!!!!!”. Ann-Margret, a bomba sexual sueca teve (e ainda vai tendo) uma longa e firme carreira no cinema, mas poucos foram os anos em que esteve no topo, no estrelato de Hollywood, e também contam-se pelos dedos os grandes filmes em que entrou. Em vez disso recordamo-la principalmente pelas suas aparições em filmes como ‘A Pocketful of Miracles’ (1961, o seu primeiro filme - o último de Frank Capra), ‘The Cincinnati Kid’ (1965) de Norman Jewison, ou a sua aparição na paródia de espiões, ‘Murderer’s Row‘ (1966), o segundo filme da quadrilogia de Matt Helm, o espião interpretado por Dean Martin. Mas ver Ann-Margret em ‘Viva Las Vegas’, e o motivo pela qual falo dela em primeiro lugar, é ver uma excelente actriz, vibrante, extasiante, no pico da sua beleza, sexualidade, energia e prazer, prazer de actuar, cantar e dançar, coisas estas que faz na perfeição, sem falhas, fazendo recordar a joie de vivre que existe nas interpretações Fred Astaire, Gene Kelly ou Debbie Reynolds. Ann-Margret fá-lo tão bem que rouba o filme completamente à sua suposta estrela, o epicentro de toda a trama, e o motivo pelo qual o filme foi feito: Elvis Presley.

Para mim, 60 anos volvidos, recordar ‘Viva Las Vegas’ é recordar não um filme de Elvis, mas um filme que pertence a Ann-Margret. Contudo, não era bem assim quando o filme foi feito. Toda a ideia do filme consiste em criar mais um veículo para o famoso cantor. É constituído por uma história quase colada a cuspo, simples de seguir, com poucos dilemas emocionais mas jeitosos visuais (muita cor, belas vistas e miúdas giras – Ann-Margret? Check!), que não atrapalham muito quando o filme tem que estagnar para Elvis fornecer mais uma canção, interpretada pela sua maravilhosa voz. Portanto ‘Viva Las Vegas’ não tem nada, ou quase nada, em termos de história, música, números de dança, cenas ou emoções (vá, digamos, em termos de filme) que já não tivesse sido visto antes noutros musicais, do próprio Elvis e não só. Desde 1956 com ‘Love me Tender’ que Elvis já se exibia no cinema com filmes pequenos, leves e animados como ‘Jailhouse Rock’ (1957), ‘Blue Hawaii’ (1961) ou ‘Fun in Acapulco’ (1963). Para ele, não era tanto uma carreira (convenhamos, não era o melhor actor do mundo, embora cantasse como ninguém), mas uma forma de manter a sua popularidade e atingir um público mais alargado.

Tal como os filmes de Fred e Ginger 30 anos antes, o interesse não estava no filme, cujas histórias se reciclavam de uns para os outros. Estava naqueles momentos mágicos em que as personagens entravam em erupção, cantando e dançando. E nesse sentido, ‘Viva Las Vegas’, prosseguindo na onda cinematográfica de ‘Elvis em localizações quentes e solarengas’, tinha à cabeça um dos grandes realizadores do ramo, George Sidney, que havia feito musicais como por exemplo ‘Anchors Aweigh’ (1945, o filmes que contém a cena mágica onde Kelly dança com o rato Jerry) ou a obra prima ‘Kiss Me Kate’ (1953, it’s too damn hot!). Mas quer Elvis, quer Sidney, quer o filme, parecem já estar a perder o gás por esta altura. No mesmo ano em que um filme pertencente à categoria dos musicais épicos, num patamar à parte, opulentos, cultos, expansivos, extraordinários – ‘My Fair Lady’ – ganhava o Óscar de Melhor Filme (seguido em 1965 por ‘The Sound of Music’), filmes como ‘Viva Las Vegas’ eram como uns parentes pobres, destinados a outros públicos, sem pretensões artísticas e só com o intuito de entreter. Isso não implica que sejam piores, mas nesse caso os números musicais têm que ser imaculados (como são os de Fred e Ginger) para o público conseguir suportar o resto. ‘Viva Las Vegas’ está ali na corda bamba, e se não fosse Ann-Margret, eu teria seria dúvidas se se safaria.

Senão vejamos. Há um enquadramento. Las Vegas, a cidade do jogo, que também nunca dorme, com os seus hotéis, casinos e clubes nocturnos, onde no calor do dia (e no calor da noite!) os homens e as mulheres andam em trajes menores à beira de piscinas e nas pistas de dança, numa revelia eterna. Há um actor principal; Elvis, a estrela com um problema. Elvis interpreta um piloto de automóveis com os trâmites clássicos, levemente machista, levemente engraçado, levemente sarcástico, levemente egoísta, mas 100% sedutor (especialmente quando está a cantar) e, apesar da fachada, possuidor de um bom coração. No inicio do filme vemos que o motor do seu carro de corrida precisa urgentemente de ser substituído. Mas essa substituição custa dinheiro, dinheiro que Elvis não tem. Sem o dinheiro não há motor, sem motor não há carro e sem carro Elvis não pode competir no famoso (ou talvez nem tanto) Grand Prix de Las Vegas.

Há também a clássica miúda, Ann-Margret, que neste caso não precisa de qualquer introdução. Ou melhor, até precisa, e por isso é que o realizador a dá. Veja-se a forma nada subtil, altamente artificial, mas visualmente fabulosa como Ann-Margret surge no filme poucos minutos depois de este ter começado. Elvis e o seu mecânico estão debaixo do carro e o plano apenas nos permite ver um extraordinário par de pernas a entrar na oficina, visto que Ann-Margret precisa de um arranjo para o seu próprio carro. Sem ver o resto, Elvis fica pelo beicinho. O público também de pouco mais precisa. Mas acalme-se leitor porque esta afirmação não é puramente machista. É esse par de pernas que nos vai deliciar todo o filme, já que Ann-Margret vai dançar e encantar, portanto é mais que justo e justificável que tenha uma introdução condigna. 

E por fim, o filme tem mais um elemento clássico, um rival de Elvis, quer na corrida, quer na corte a Ann-Margret (interpretado ‘italianamente’ por Cesare Danova). Misturando a localização estilizada, o herói, a miúda, o rival e um argumento leve e previsível, o filme tem tudo o que precisa e não quer mais. Basicamente seguimos as aventuras e desventuras de Elvis e Ann-Margret, no decorrer de algumas semanas em Las Vegas. Elvis divide-se entre fazer a corte a Ann-Margret e a tentar tudo e mais alguma coisa para arranjar dinheiro para o seu motor. Ele até consegue arranjar o dinheiro inicialmente, mas como Ann-Margret, que interpreta uma professora de natação de um dos hotéis da cidade, o atira para a piscina vestido quando ele tenta mais um dos seus avanços românticos, o dinheiro perde-se. E como assim Elvis fica sem dinheiro para pagar também a conta, permanece no hotel como criado, convenientemente próximo de Ann-Margret. Já esta tem um arco cliché, em que primeiro não gosta de Elvis e da sua atitude convencida e frontal, depois se apaixona por ele, e mais tarde fica chateada com ele (o dilema, necessário nestes filmes mas que pouco dura) porque Elvis não quer desistir da sua vida perigosa de piloto por ela. No final, não é surpresa que os pombinhos vão pôr de lado as suas divergências e ‘fazer música’ juntos.

Neste filme, tudo é uma desculpa para Elvis cantar e Ann-Margret dançar. O argumento é mais fino que uma folha de papel e é apressado para passar rapidamente à próxima canção ou à próxima sequência de dança. Isto é feito sem o mínimo de disfarce, sem o mínimo de pudor. Recorre-se até ao último recurso, o proverbial concurso de talentos (neste caso dos empregados do hotel), a desculpa mais esfarrapada para pôr alguém a cantar e a dançar que o género musical conhece, e que aqui tem o papel dual de dar uma oportunidade a Elvis de tentar ganhar o seu dinheiro. Mas Ann-Margret, como em todo o filme, é uma rival à altura, e o concurso acaba empatado. Para mim, há uma enorme sensação de injustiça quando o concurso se decide por moeda ao ar e Elvis ganha (é o factor 'Rocky' – do original quero dizer – dá-se o título ao campeão em caso de empate, mesmo que ele não o mereça). Mas quando o prémio é atribuído e Elvis descobre que afinal não é dinheiro, o espectador não pode deixar de sorrir… 

Mas tenho que admitir que me importo pouco por o filme ter um argumento fraco e despachar até chegar à música ou dança seguinte. Sejamos sinceros. Elvis não é propriamente o actor mais espectacular do mundo (bem longe disso…), mas quando o metem a cantar, bem, é um assunto bem diferente. Desde o genérico inicial, em que Elvis nos brinda com uma fantástica interpretação do famosíssimo tema principal ‘Viva Las Vegas’, o cantor vai debitando clássico após clássico com uma regularidade inevitável, na sua forma inimitável. E sejamos sinceros, as frases que dão a Ann-Margret para dizer, bem como o seu ‘dilema’ emocional, roçam o banal e já foram vistos centenas de vezes (antes e depois deste filme), mas por outro lado, a sua beleza é de cortar a respiração e a forma como dança é completamente hipnotizante. Ann-Margret não era propriamente conhecida como bailarina e sinceramente não me lembro de a ter visto noutro filme a fazer o gosto às belas pernas, portanto é sempre com surpresa que revejo os números de ‘Viva Las Vegas’. Já não ficava tão surpreendido por ver alguém tão belo a dançar tão bem desde que vi pela primeira vez Audrey Hepburn a dançar na cena do café no clássico ‘Funny Face’ (1957). E portanto, o resultado do concurso de talentos é bem injusto. Após ouvir Elvis a cantar e Ann-Margret a dançar, o público só pode ser unânime. É Ann-Margret que devia levar a taça para casa e é ela que salva ‘Viva Las Vegas’ de se tornar um musical batido e com pouco interesse.

No final, como é óbvio (espero não estar a estragar isto a ninguém, se o leitor não adivinha o final então deve ter adormecido na primeira hora do filme), Elvis arranja o dinheiro (o pai da personagem de Ann-Margret dá uma ajudinha), entra na corrida, ganha a corrida (surpresa, surpresa) e fica com a miúda. Um verdadeiro herói. Mas queria voltar uns minutos atrás para discutir uma coisa que sinceramente não entendo. Durante 75 minutos vimos um filme ligeiro, colorido, com algum humor e cheio de números de dança e canções. Um autêntico baluarte do entretenimento familiar. Então porque é que nos últimos 10 minutos, respeitantes à famosa corrida, o filme muda completamente de tom? A corrida é dada ao espectador num ritmo intenso e pesado, nu e cru, com os pilotos degladiando-se na estrada para ascender posições, o que resulta em alguns acidentes bem hard-core, com carros a capotarem, a espetarem-se e a arderem. A cena deixa o público de boca aberta (a mim deixou-me) e é como se tivéssemos entrado num filme completamente diferente. Tentativa de apelar ao público que não aprecia muito o género descontraído do musical? Talvez. Verdade que dá ao filme um ritmo que ele bem precisava (85 minutos já é tempo a mais para este filme – se tivesse menos 10 minutos ninguém se importaria), mas vamos lá ver, este é suposto ser um filme ligeiro e familiar! E de repente só vemos carros a terem acidentes?! E é curioso notar que mal a corrida acaba o filme retorna ao seu estilo de origem. Quando Elvis ganha e todas as personagens principais irrompem em festejos, ninguém realmente parece importar-se com os pobres desgraçados que estavam nos carros que se despistaram e começaram a arder. Foram salvos? Morreram? Não sabemos, nem nunca vamos saber.

O realizador George Sidney sabia exactamente o que estava a fazer no que concerne toda a parte musical do filme (notas máximas por essas cenas) e foi suficientemente esperto para perceber, ao contrário de outros realizadores, que Elvis sozinho não tinha força suficiente para ser a única estrela deste filme. A divisão de esforços com Ann-Margret é o trunfo escondido desta película, mas apesar de tudo este é um filme que tem conversa a mais e construção a mais e argumento a mais. Eu disse que a maior parte das cenas era colada a cuspo para chegar à música ou à dança seguinte. Pois bem, a realidade é que por vezes fico com a sensação que estas cenas deviam ter sido ainda mais telegráficas, deviam ter sido ainda mais finas, e mais de que uma vez senti vontade de gritar para o ecrã para se despacharem lá com a conversa, porque o que o público quer ver é cantoria. E essa é que é a grande verdade sobre este filme. É só isso que sobra, quando tudo o resto cai por terra. ‘Viva Las Vegas’ não vale pela sua história. Não vale pelas suas personagens. Não vale pelas suas actuações. ‘Viva Las Vegas’ é uma grande desculpa para ver Elvis a cantar e Ann-Margret a roubar-lhe o show com a sua extraordinária performance dançante e a sua extraordinária beleza. Mas em termos de desculpas, esta é uma das melhores. É uma daquelas desculpas que nós aceitamos, e que nos permitem perdoar e fazer as pazes. É por isso que ninguém tem nada contra ‘Viva Las Vegas’. É por isso que está lá, na elite dos musicais. E sempre vai estar.

Só para terminar quero esclarecer uma dúvida. Peço ao leitor que faça scroll para cima e olhe bem para o poster deste filme. É de mim ou a forma como Elvis se posiciona atrás de Ann-Margret nesta imagem não é realmente a coisa mais bem concebida da história do marketing?!

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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