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Big Eyes

Ano: 2014

Realizador: Tim Burton

Actores principais: Amy Adams, Christoph Waltz, Krysten Ritter

Duração: 106 min

Crítica: Por estas semanas as salas europeias (inclusive as portuguesas) apresentam os últimos resquícios do ano cinematográfico de 2014, antes de começarem surgir, algures em Março como é costume, os primeiros filmes datados de 2015. Esta é considerada uma época morta do cinema e não há muita esperança nos filmes que são, literalmente, despejados nas salas. Os Óscares já passaram, e com eles os supostos melhores filmes do ano, que toda a gente é ‘compelida’ a ir ver. Portanto a concorrência restringe-se a umas comédias ou filmes de acção, ou então a ‘fenómenos’ apontados para outro tipo de público (como ’50 Shades of Gray’). Só depois, nestas poucas semaninhas, aparecem outros filmes mais dramáticos, que tentaram desesperadamente ser candidatos aos Óscares mas sem sucesso, porque não tiveram grande aceitação critica ou comercial na América. Estes filmes não têm hipótese de concorrer com os nomeados (por isso não podem ser lançados nas mesmas semanas), e portanto aparecem nas salas agora, sem grande alarido.

Ora para mim isto é um pouco estúpido, porque os Óscares definem muita coisa, é certo, mas como sabemos não são grandes detentores da verdade. Em anos recentes tivemos destes filmes ‘despejados’, ‘não nomeados’, que eram muito melhores que os galardoados, como ‘Cassandra’s Dream’ (2007) de Woody Allen ou ‘Gran Torino’ (2008) de Clint Eastwood. E a semana passada o público português teve oportunidade de ver o fenomenal ‘Inherent Vice’, que o único mal de que padece é não ser comercialmente apelativo, e que está anos-luz acima de um ‘The Imitation Game’ ou um ‘Theory of Everything’. Acompanhando a pouca mediatização do novo filme de Tim Burton, ‘Big Eyes’ (em português ‘Olhos Grandes’) cheguei a temer que o filme fosse vítima de uma semelhante injustiça. Mas ontem, ao ver o filme, apercebi-me que não. Realmente, ‘Big Eyes’ não tinha lugar algum nos Óscares. Realmente, ‘Big Eyes’ é um filme menor de Tim Burton.

Contudo, não posso concordar com os críticos que consideram que ‘Big Eyes’ é a machadada final numa carreira que já há alguns anos está na mó de baixo. Tim Burton não é, nem nunca foi, um grande autor dramático. Tem filmes magníficos, porque é um mestre do seu género, o género fantasioso gótico, do sarcasmo macabro, mas também, acima de tudo, da ilusão da imaginação. E é um mestre quer estes elementos surjam num drama (‘Big Fish’, 2003, o meu filme preferido de Burton), numa comédia (‘Mars Attacks!, 1996 ou ‘Beetlejuice’, 1988), num filme se super-heróis (‘Batman’, 1989), num filme de animação (‘Frankeweenie, 2012) ou num filme para crianças (‘Charlie and the Chocolat Factory’, 2005). Aí Burton é incomparável, e até mesmo os seus menores filmes recentes, ‘Dark Shadows’ (2012, uma comédia macabra ligeira) ou ‘Alice in Wonderland’ (2010) podem pecar pela história, mas nunca pela mestria visual, por essa ponta de sarcasmo inteligente que distingue a sua obra.

Isto porque Burton nunca saiu fora da sua esfera, nem nunca almejou mais do que aquilo que certamente tem consciência de que poderia atingir. ‘Big Fish’, por exemplo, poderia ser um drama rotineiro da relação entre um pai e um filho. Mas nas mãos de Tim Burton tornou-se um filme mágico. Aliás, são os elementos burtonescos que transformam ‘The Big Fish’ no magnífico filme que é, que o distinguem de dramas de história semelhante, mas nunca dados com esta pungência ilusória. O problema, realmente, é quando estes elementos faltam à história. Aí, o que é que Tim Burton pode dar a um filme? Se o filme não permite o seu cunho pessoal, o seu dom para o visual, Burton consegue fazer uma boa obra? ‘Planet of the Apes’ (2001) era péssimo, um blockbuster acéfalo e pouco imaginativo. ‘Big Eyes’ é também um drama sem elementos distinguíveis e facilmente esquecível.

‘Big Eyes’ é o segundo filme biográfico de Tim Burton após ‘Ed Wood’ em 1994. Aliás, o filme é escrito pela mesma dupla; Scott Alexander e Larry Karaszewski. Por um lado estes não são os melhores argumentistas do mundo. No seu currículo conta-se a trilogia de ‘Problem Child’ (o primeiro ‘Pestinha’, 1990, é um filme de culto mas as sequelas são de fugir), os dramas biográficos de Milos Forman: 'The People vs. Larry Flynt’ (1996) e 'Man on the Moon’ (1999), ambos que valem mais pelas suas performances centrais (Woody Harrelson e Jim Carrey) do que propriamente pelo interesse da sua história, e até a paródia spy-fi para adolescentes ‘Agent Cody Banks’ (2003). Por outro, o que tornava ‘Ed Wood’ interessante (embora não o tenha achado um grande filme) era o facto de, pela natureza da história, Burton poder incutir a sua estilização visual gótica no filme. A natureza da história de ‘Big Eyes’, contudo, não permite nada disso, e o filme fica portanto sem grande sabor.

Baseado em factos reais, como quase todos os filmes nesta época do ano, ‘Big Eyes’ pretende ser um retrato biográfico simplista da pintora Margaret Keane, interpretada por Amy Adams. Na sequência inicial temos ainda alguma esperança de ver o universo de Burton, já que o filme começa num pequeno subúrbio (quase podemos jurar que é o mesmo sítio onde filmaram ‘Edward Scisorhands’), onde vemos Margaret a fugir do marido que a maltrata. Pega nos seus quadros e na sua filha e foge rumo a São Francisco, num plano belíssimo onde conduz o seu automóvel numa estrada sinuosa. Mas os elementos burtonescos praticamente terminam aqui, passados 3 minutos de filme, e o genérico de música ligeira (uma banda sonora pouco intrusiva de Danny Elfman) acomoda-nos para um filme que nunca é muito dramático, nem muito artístico, nem muito exigente.

Em S. Francisco, Margaret tenta desesperadamente singrar numa América dos anos 1950 que não olha com bons olhos para mães divorciadas. É aí que conhece outro (suposto) aspirante a pintor, Walter Keane (Christoph Waltz), uma personalidade extrovertida e bem-falante, mas que é mais fachada do que conteúdo. Keane no entanto seduz Margaret e pouco depois casam. Não conseguindo vender os seus próprios quadros, Keane, por acaso, consegue vender os quadros da esposa, mas fica com os louros para si. De repente, os quadros de Margaret, todos com a característica peculiar de retratarem crianças de olhos enormes, tornam-se um furor mundial. Presa no casamento e sob a ameaça do marido, Margaret continua a pintar os seus quadros, confinada em casa, enquanto Keane se torna uma celebridade mundial e faz uma fortuna. O filme pouco mais nos mostra do que esta evolução, até ao momento em que Margret decide fugir de novo com a filha, desta vez para o Havai. Aí, após um ano no anonimato, decide finalmente chegar-se à frente com a verdade, o que leva o filme ao seu clímax, uma sequência de tribunal…

Acho que ‘Big Eyes’ está a ser mostrado no meio errado. Isto não é um filme biográfico artificial, feito com conta, peso e medida para ganhar prémios, a pôr o dedo em quantas feridas quanto possíveis e a destacar a intensidade dos seus actores. Por outro lado, também não é um filme biográfico extraordinário, que nos leva ao fundo das emoções destas personalidades num soberbo contexto de época. Pelo contrário, é um daqueles filmes biográficos calmos e ligeiros, que por mais dramáticos que fiquem oferecem logo um sorriso na cena a seguir, e que são tão inofensivos que não geram nem desconforto nem repudio se não forem tão bons quanto o público espera. Está na onda do ‘Hitchcock’ de 2012 por exemplo. Ou seja, é um filme que seria perfeito para a televisão americana, conhecida pelos seus telefilmes ‘dramas de vida dos famosos’, como por exemplo ‘The Audrey Hepburn Story’ (2000) com Jennifer Love Hewitt. Aí ‘Big Eyes’ proporcionaria um serão despreocupado, que daria a possibilidade aos seus espectadores de ficarem a conhecer num pacote de 90 minutos a história desta pintora, extremamente pincelada de artificialidade e de embelezamentos simpáticos, e sem grandes oscilações emocionais. Mostrado no grande ecrã, contudo, e com a assinatura de Tim Burton, é uma grande decepção, é um filme de fachada bonita sem conteúdo, tal como o próprio Keane.

O filme tem alguns elementos interessantes. Amy Adams prova que é uma das melhores actrizes da actualidade (embora o Globo de Ouro para Melhor Actriz seja extremamente forçado). Christoph Waltz exagera um pouco na sua interpretação do homem bipolar e parlapatão, mas adequa-se à atmosfera estilizada do filme, que estica a realidade para apresentar uma dualidade clara entre os ‘bons’ e os ‘maus’. Há um corrido de actores secundários de luxo (o que faz isto ainda mais parecer um tv-special): Jason Schwartzman como o director de uma galaria de arte, Danny Huston como o jornalista mexeriqueiro que promove o trabalho de Keane, o grande Jon Polito como o dono de um bar onde Keane vende o primeiro quadro da mulher, e o imponente Terence Stamp como um veterano crítico de arte. E o melhor surge nos momentos em que Tim Burton consegue ser Tim Burton: quando Margaret está obcecada com os olhos grandes e os vê em todo o lado, ou quando Keane tenta pegar fogo à casa, à mulher e à filha. Do mesmo modo, é o talento peculiar de Burton que consegue tornar a secundaríssima personagem da filha numa referência visual fulcral do filme – quer a actriz que a interpreta em nova, Delaney Raye, quer a que a interpreta em adolescente, a bela e promissora Madeleine Arthur, têm uns enormes olhos azuis, que a iluminação da cena constantemente distingue com subtileza, mas enorme significado. 

Mas estes são pontos fortes individuais que juntos não formam um todo de grande apelo. O filme desenrola-se a um ritmo despreocupado que não quebra mas que também não se transcende. A história é contada e ponto final. Não é um conto do vigário nem um de opressão conjugal. Não é um filme sobre a criação da arte nem sobre a sociedade retrógrada dos anos 1950. Nenhum destes elementos é explorado para dar maior intensidade dramática ao filme. A história, praticamente, é dada apenas pela história – a lenda cor-de-rosa da odisseia de Margret.

O filme tem a atitude inteligente de não se tornar apenas um corrido de lugares comuns emocionais nem uma parada de personalidades de época (os amigos famosos que Keane vai fazendo, desde os Beach Boys a Natalie Wood, são apenas mencionados, nunca mostrados), mas também não há um grande enfoque nas personagens principais, nem momentos intensos onde elas consigam mostrar o seu arco emocional. O filme balanceia-se no meio-termo, mostrando os eventos em quadros simples e directos, e oferecendo alguma dimensão pessoal em cenas íntimas e de passagem do tempo. Mas não tem vibração, nem energia, nem nunca quer ser demasiado dramático, mantendo-se no território seguro do drama ligeiro para todos os públicos, com pontadas de comédia mas quase nunca de sarcasmo inteligente. Até a climática cena de tribunal, em que a autoria dos quadros tem de ser estabelecida, é uma pálida reprodução das cenas de tribunal a que o público está acostumado. Em vez disso, o filme opta pelo tom ligeiro para fazer sorrir, em que o ‘mau’ (Keane) é dado por vencido quase da mesma forma em que os vilões das comédias de espiões são dados por vencidos. Waltz por vezes quase que se ri do seu próprio exagero e isso só funciona porque todo o filme opta por esse tom. Agora se me perguntam se esse tom é a escolha ideal para um filme deste tipo…

Dizem os meios de comunicação social que Tim Burton conhece já desde os anos 1990 esta pintora, da qual detém vários quadros. Aliás, Margaret Keane pintou inclusive um retrato da ex-mulher de Burton, Helena Bonham Carter. No genérico final, com os proverbiais textos de ‘onde estão eles agora’ vemos também uma fotografia da real Margaret com Amy Adams. O que Burton faz aqui, parece-me, é uma homenagem à sua amiga pintora, e à memória da sua lenda. ‘Big Eyes’ é um filme ‘familiar’, que muito me surpreende que tenha sido produzido pela Weinstein Company e não pela Disney. É uma forma simpática de conhecer os contornos gerais da vida de Margaret Keane, e do seu ‘drama de vida’ quando o marido, numa sociedade sem igualdade de géneros, lhe roubou a identidade. Mas nada mais. Não tem o cunho de um filme de Tim Burton, não tem a profundidade de um filme social, não tem o interesse de uma ‘história de vida’ bem contada, não tem a crítica a uma época de desigualdade matrimonial. É simplesmente um filme simpático, ligeiro e pouco imaginativo, mas a que não vou chamar mau, porque não o é. Não me gerou qualquer desconforto como cinéfilo, para além do desinteresse. A hora e meia passou depressa e bem, mas não havia chama ou essência para preencher a sua superficialidade e infantilidade. Podemos considerar ‘Charlie and the Chocolate Factory’ ou ‘Dark Shadows’ filmes infantis. Mas sabemos que têm uma profundidade, na sua comédia, no seu sarcasmo, no seu estilo visual, que lhe dão uma dimensão invulgar. Mas nada disso existe em ‘Big Eyes’, o que é uma pena. Mas não tenho dúvidas que Tim Burton voltará em breve, com algo bem melhor. Isto é, desde que o material se adeque ao seu estilo, o que não é o caso aqui.

Em ‘Big Eyes’ Burton homenageia a sua amiga pintora, sem ofender ninguém, nem esmiuçando as profundezas da sua personalidade (provavelmente para não a ofender também a ela!). É um tributo simpático que tenho a certeza que a própria gostará, bem como os fãs da sua arte e um público ou mais infantil, ou que esteja numa noite de semana no sofá em casa à procura de uma drama de vida despreocupado na TV, para ver sem grande atenção e adormecer no final, para nunca mais recordar. ‘Big Eyes’ é desse tipo de filmes. Suponho que também tenha que haver desses. Senão ao som de quê adormeceríamos no sofá?

3 comentários:

  1. Não gostei! Acho que a Amy Adams será uma grande actriz mas ainda não o é, o Christoph Waltz ultrapassa o exagero.... E sim, Burton "homenageia a sua amiga pintora, sem ofender ninguém, nem esmiuçando as profundezas da sua personalidade".

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    1. É sem dúvida um filme pobrezinho. Mas não me ofendeu. Há filmes que são uma afronta de mau. Este não. Por isso não mereceu, pelo menos da minha parte, uma crítica mais incisiva! :)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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