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One Flew Over the Cuckoo's Nest

Ano: 1975

Realizador: Milos Forman

Actores principais: Jack Nicholson, Louise Fletcher, Michael Berryman

Duração: 133 min

Crítica: Na história dos prémios da Academia, apenas três filmes venceram os mágicos cinco Óscares principais: Melhor Filme, Actor, Actriz, Realizador e Argumento. Foram eles ‘It Happened One Night’, o clássico de Frank Capra datado de 1935, ‘Silence of the Lambs’ (1991), com Jodie Foster e Anthony Hopkins no intenso papel de Hannibal Lecter e, de permeio, ‘One Flew Over the Cuckoo's Nest’ (1975), em português ‘Voando sobre um Ninho de Cucos’. Dos três, não tenho dúvidas nenhumas que aquele que mais merece esta honra é precisamente ‘One Flew Over the Cuckoo’s Nest’ – um filme de uma intensidade profunda, uma obra-prima com um fascínio que transcende décadas a todos os níveis que realmente interessam; realização, actuação e até (o leitor nunca esperou ouvir-me dizer isto) mensagem.

‘One Flew Over the Cuckoo's Nest’ começou a sua vida como um romance de 1962 escrito por Ken Kessey. Antes da sua publicação, já o grande Kirk Douglas, o fabuloso actor de filmes como ‘The Bad and the Beautiful’ (1952), ‘Lust for Life’ (1956) ou ‘Spartacus’ (1960) tinha comprado os direitos de adaptação e consequentemente, no ano seguinte, produziu e protagonizou uma peça na Broadway que teve 82 actuações. Desde essa altura que Douglas tentou produzir um filme consigo próprio como actor principal, mas a história ousada e intensa não causou muito interesse dos estúdios. Mais tarde, Douglas conheceu na Europa o realizador checo Milos Forman, que por esta altura tinha algumas comédias de costumes no seu currículo como ‘Horí, má panenko – O Baile dos Bombeiros’ (1967) e houve o interesse de trabalhar em conjunto nesta história. Durante a Primavera de Praga, Forman mudou-se para os Estados Unidos, e aí tinha conseguido fazer apenas um filme, o esquecido ‘Taking Off’ de 1971. Mas o contacto ter-se-á mantido e o interesse de realizar este filme também. Infelizmente por esta altura, já os anos de ouro de Kirk Douglas tinham passado, e este teve o bom senso de aperceber-se que já estava demasiado velho para o papel. Assim sendo, cedeu os direitos ao seu filho, Michael Douglas, que poucos filmes tinha feito até então, mas que tinha atingido um relativo sucesso televisivo como um dos actores principais da série ‘The Streets of San Francisco’ (1972-1976). Aliás é curioso notar que Michael Douglas recebeu o seu primeiro Óscar como produtor aos 31 anos, logo no seu primeiro filme neste cargo, antes sequer de começar realmente a sua carreira como actor no cinema, e doze anos antes de receber o seu segundo Óscar, como Melhor Actor em ‘Wall Street’ (1987).

Finalmente, em 1975, o filme acabou por ser produzido pela pequena Fantasy Films, com a United Artists a assumir os encargos da distribuição. O produto final foi posteriormente deserdado pelo autor do romance e do primeiro argumento, Kessey (o próprio afirma que nunca o viu), pois houve ligeiras alterações à estrutura da história original que este não apreciou. Nomeadamente, Forman não queria que, tal como no livro, o filme fosse narrado da perspectiva do paciente índio Chief Bromden. O argumento final acabou por ser redigido por Lawrence Hauben e Bo Goldman, que se tornaria uma lenda de Hollywood por escrever filmes como ‘Melvin and Howard’ (1980), ou os fenomenais ‘Shoot the Moon’ (1982) e ‘Meet Joe Black’ (1997). Mas, sinceramente, e nunca tendo visto a peça ou lido o romance original, não vejo de que forma é que o filme possa ter piorado. Como está, está praticamente perfeito, e será de assumir que as escolhas de Forman tenham sido não em prol de ‘tomar liberdades criativas’ ou de ‘fazer convergir a história com os interesses do público’ (uma manobra clássica, mas muitas vezes condenável, de quem adapta livros), mas sim para o bem do produto final como forma de arte cinematográfica. E nesse sentido, na minha perspectiva, foi extremamente bem-sucedido.

Basicamente, o filme contém o melhor retrato que alguma vez foi imortalizado em celulóide de doentes de uma instituição mental. O sucesso de ‘One Flew Over the Cuckoo's Nest’ originou inúmeros filmes em hospitais psiquiátricos, quer dramáticos quer cómicos, mas acho que ninguém, desde então, teve a subtileza suficiente para captar a verdadeira essência destes pacientes. Não se trata apenas de mostrar um monte de maluquinhos a fazer coisas maluquinhas e sugar daí um drama fácil. O que Forman consegue fazer neste filme é mostrar seres humanos, com as suas peculiaridades ‘fora’, é certo, mas que não deixam de ter credibilidade e emoções, que o espectador consegue captar sem que sejam forçadas ou espalhafatosas. Ajuda, e bastante, as brilhantes actuações do rol de actores secundários, nenhum deles vítima de overacting: Danny DeVito, Christopher Lloyd, Vincent Schiavelli, Brad Dourif e claro, o silencioso Will Sampson como o chefe índio, uma figura imponente.

Começamos por assistir à rotina destes pacientes, o dia-a-dia passado nos corredores e salas da instituição; a toma dos medicamentos, as peculiaridades que possuem e com que se entretêm, sob o olhar atento das enfermeiras, vestidas com batas de um forte branco contrastante. É um clima austero e aparentemente rígido, quase prisional, mas do qual os pacientes parecem estar completamente alheados, vivendo nos seus próprios mundos. Esta existência “pacífica” do hospital psiquiátrico é quebrada com a entrada em cena de McMurphy. Jack Nicholson, que já trazia 15 anos de carreira à perna mas que apenas se tinha começado a destacar nos últimos anos em filmes como ‘Easy Rider’ (1969), ‘Five Easy Pieces’ (1970), ‘Carnal Knowledge’ (1971) ou ‘Chinatown’ (1974) nasceu para interpretar este papel (o Óscar, o primeiro dos seus três, é mais que merecido). Portanto parece incrível que os produtores tenham tentado contratar Marlon Brando, Gene Hackman e Steve McQueen antes de oferecer o papel a Nicholson. Hoje seria impossível imaginar mais alguém a fazê-lo, porque a insanidade inata, mas também dúbia de Nicholson, ajusta-se extraordinariamente a McMurphy. Aliás, McMurphy chega ao Hospital vindo da prisão local, e há, até ao final do filme, a dúvida nunca esclarecida de se se está a fingir de louco ou não, somente para cumprir o resto da sua pena no tranquilo Hospital e não na prisão.

A personalidade extrovertida e talvez artificialmente insana de McMurphy revoluciona a vida dos pacientes da instituição. O filme vai-nos mostrando como McMurphy, que sempre trata os seus companheiros como ‘normais’, puxa por eles para os espevitar e sacudir do marasmo da sua existência mecânica e adormecida na rotina do Hospital. A sua antagonista principal, que representa ‘o sistema’, surge na forma da Enfermeira Chefe Ratched, uma interpretação gélida perfeita, digna de um filme de terror, de Louise Fletcher, uma ilustre ‘desconhecida’ (nunca fez muitos filmes de topo) que tem aqui a interpretação da sua vida e um igualmente bem merecido Óscar. O filme transforma-se numa disputa emocional, imbuída de tensão, entre McMurphy e Ratched, entre o rebelde e o sistema; um one-on-one pela lealdade e a ‘sanidade’ dos pacientes, entre a manutenção do status quo e a busca da redenção.

A grande falha que sinto neste enquadramento é que o filme condiciona o público para que a sua simpatia esteja toda do lado dos pacientes. A Enfermeira Ratched é retratada como uma mulher fria, possessiva e insensível, convencida que os seus pacientes são realmente maluquinhos, e portanto inferiores, e que têm de ser tratados com dureza. Aliás, o filme mais do que uma vez insinua que ela realmente aprecia causar dor aos seus pacientes e que tem um prazer sádico em dar ordens e dominá-los (os close-ups da cara de Fletcher são prova disso). Já os pacientes são retratados como vitimas inocentes da sua própria doença, sobre a qual não têm controlo. Para além do mais, tal como recentemente ‘Silver Linings Playbook’ (2012) fez, embora de uma forma muito menos subtil, ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’ é hábil a insinuar que a insanidade de muitos destes pacientes é apenas uma excentricidade, ou seja, são considerados malucos pelo sistema porque simplesmente se comportam de uma maneira diferente, apesar de inofensiva. Só quando o sistema os impede de agir e viver assim é que se tornam violentos, revoltando-se para manter a sua condição. Aí, o sistema usa isso como desculpa para ser ainda mais violento (embora protegido pelas leis da ‘sociedade sana’), usando medicamentos, terapias de choque ou lobotomias para ‘normalizar’, ou usando o termo de ‘Shawshank Redemption’ (1994) institucionalizar, os seus pacientes.

O caso de Billy (interpretado por Brad Dourif) aquele paciente com quem McMurphy mais se liga, acaba por ser o exemplo mais pungente que o filme tem para oferecer. Após uma noite de rebeldia em que McMurphy consegue introduzir umas prostitutas no dormitório, Billy, uma criança que nunca cresceu, com um complexo de Édipo e tendências suicidas, finalmente tem o seu primeiro vislumbre de felicidade, ou pelo menos de normalidade. O seu característico gaguejar, por exemplo, até desaparece por breves momentos. Mas quando a enfermeira Ratchet aparece na manha seguinte, descobre o sucedido e ameaça Billy de que irá contar tudo à sua mãe, o gaguejar deste é célere a retornar e o pobre desgraçado, que conseguiu por uma única noite ser ‘normal’, regressa ao seu estado ‘maluco’, com consequências ainda mais graves…

O filme constrói-se assim com inteligência, intercalando os sketchs da vida rotineira da instituição com os casos de rebeldia que McMurphy vai instigando para desafiar as regras, quebrar a ordem pré estabelecida e oferecer a si próprio e aos seus companheiros o doce sabor da liberdade. O que começa por coisas pequenas (a disputa pelos direitos de ver um jogo na televisão, por exemplo), vai escalando, tal como o filme escala, lenta mas seguramente. Primeiro, graças a McMurphy, o grupo de pacientes consegue escapar e passar um dia na cidade em liberdade, culminando num passeio de barco. É uma espécie de dia idílico, de final de segundo acto, antes de serem apanhados e regressarem à instituição, para os traumáticos eventos climáticos poderem ocorrer. (Numa nota, esta ‘fuga’ é a inspiração para a hilariante comédia dos anos 1980 ‘The Dream Team’, com Michael Keaon e Christopher Lloyd). Então, dá-se a tal noite de rebeldia, de bebida e de companhia feminina, que terá consequências irreversíveis para todos os pacientes, principalmente o trio principal; McMurphy, Billy e o silencioso Chefe Índio…

Em termos técnicos, adoro a fotografia de ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’. A cor branca é constantemente destacada, dando ao filme um irónico tom esterilizado. A câmara de Forman, tal como aconteceria 9 anos mais tarde no seu genial ‘Amadeus’ (que voltaria a ganhar a dobradinha Óscar Melhor Filme / Realizador), é pouco intrusiva mas discretamente está sempre apontada na direcção certa, mesmo que essa direcção não seja exactamente a da linha narrativa principal. Apanha-se sempre um pequeno detalhe da vida do Hospital ou a expressão profunda e introspectiva de uma personagem à parte da cena, exactamente no momento certo, e isso é hipnotizante. Uma vez li que Forman mantinha câmaras a gravar as reacções de inúmeros actores secundários aos eventos da cena principal que estava a ser filmada. Nota-se. Na montagem final do filme, resulta na perfeição. Por outro lado, a banda sonora de Jack Nitzsche é delicada e, tal como os outros aspectos do filme, entra na altura certa e cria o ambiente perfeito, sem chamar atenção para si própria e tirar protagonismo da linha emocional principal. ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’ é um filme de subtilezas e de soberba qualidade técnica, elementos que se misturam para contar esta história pungente mas não forçada, nem em termos de conteúdo, nem em termos de mensagem que quer passar para o espectador.

Mesmo assim, o final tem pontadas de lirismo que poderão tirar algum do realismo que a história possuía até então. Depois da noite fatídica em que os pacientes levam longe demais a sua vontade de normalidade, uma série de tragédias abate-se sobre o Hospital. Mais uma vez, sem ser excessivamente forçado, a simpatia do filme está do lado dos pacientes que são retratados como seres trágicos, cujos destinos foram há muito traçados pelo ‘sistema’ que não parece querer que eles alguma vez se curem. Acontece isso no caso de Billy. Acontece isso no caso de McMurphy, que a determinada altura tem de escolher entre fugir da intuição (tem os meios para o fazer com sucesso à sua frente) ou ficar ao lado daqueles que se tornaram a família que nunca tinha tido, mesmo que isso implique perder a sua liberdade e rebeldia para sempre.

E é aqui, e talvez só aqui, que o filme regressa ao romance de base para dar a sua moral definitiva na perspectiva do Chefe Índio, a personagem que consegue ‘salvar-se’ e ‘aprender’ com a tragédia que se abate sobre as restantes. As preconcepções e os estereótipos podem ser viciosos e deturpados por aqueles que não aceitam a diferença; ser diferente é uma escolha, por isso é um crime tentar ‘impor’ a normalidade; todos temos sonhos e segredos que ninguém pode roubar, mas que podem ser partilhados e vividos se houver um pouco de compreensão; o direito de viver está acima de todos os outros direitos, e nunca deve ser negado ou retirado. Tudo isto soa a cliché, é verdade, mas uma das maiores vantagens de ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’ é que não recorre a um único cliché fílmico ou argumental, ou a cenas completamente desproporcionadas ou artificialmente dramáticas para passar a sua mensagem. Aliás, raramente recorre ao movimento ou à acção para a transmitir, e a subtileza é a sua maior arma já que, em grande parte, não faz juízos de valor e está aberto à interpretação. Tem o equilíbrio perfeito entre o cinema artístico e o cinema de mensagem social, ambos em voga no cinema americano dos anos 1970, não atingindo contudo nenhum destes estados. Fica a meio-termo, o meio-termo dos grandes filmes, que podem também ser grandes sucessos comerciais com públicos de toda a espécie, sem ver denegrida qualquer uma das suas outras componentes.

Por isso mesmo, é inegável que ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’ acaba por ser um poderoso ataque às convenções da sociedade dita ‘normal’ e um gigantesco apelo à insurreição. Em 1975 os restantes nomeados para Melhor Filme eram ‘Barry Lyndon’ de Kubrick, ‘Dog Day Afternoon’ de Sidney Lumet, ‘Jaws’ de Spielberg e ‘Nashville’ de Robert Altman. Todos filmes intensos, mas nenhum com a profundidade e as repercussões emocionais e sociais que ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’ contém, e ainda facilmente mantém, 40 anos (!!) volvidos.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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