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Pierrot le fou

Ano: 1965

Realizador: Jean-Luc Godard

Duração: 110 min

Crítica: Poderoso. Poético. Perfeito. Com esta breve aliteração podemos definir perfeitamente ‘Pierrot le Fou’ (em português ‘Pedro, o Louco’), o décimo dos quinze filmes que Jean-Luc Godard fez de rajada como o excitante líder da Nouvelle Vague entre 1960 (‘À bout de souffle‘) e 1967 (‘Week End’), antes da revolta estudantil de Maio 1968 ter tornado o seu cinema muito mais experimental, politicamente interventivo e alheado durante quase duas décadas do mainstream

Eu descobri o Godard dos anos 1960 na altura em que toda a gente o deveria descobrir; nos meus primeiros anos na faculdade, com cerca de 20 anos de idade. E desde o primeiro momento tornei-me um adorador incondicional. Para um jovem a desabrochar para a vida, a abrir os seus horizontes culturais e sociais, o cinema de Godard, do desafio de ‘À bout de souffle’ à mestria cinematográfica de ‘Les Mepris’ (1963); da irreverência de ‘Band à Part’ (1964) ao incrível retrato da juventude em ‘Masculin féminin’ (1966), expressa na perfeição o grito de revolta da eterna geração jovem. Muito mais intrusivo que o subtil cinema de Truffaut, surgiu na vanguarda da Nouvelle Vague como a quebra definitiva com o ‘cinema do papa’ (o clássico cinema francês) e como o reflexo de uma geração, como todas as gerações, inadaptada, desencantada com o estado social, e a tentar encontrar o seu lugar num turbilhão socio-político-cultural. Neste caso, um turbilhão caracterizado pelo free-love da década do flower power, pelas Guerra da Argélia e do Vietnam, e por uma complexa mistura de ideologias que desaguariam nas revoltas estudantis parisienses.

"Poderoso. Poético. Perfeito. Com esta breve aliteração podemos definir perfeitamente ‘Pierrot le Fou’ (...) Pode não ser o melhor filme de Godard (...), mas é o expoente máximo desta forma intensamente apaixonada de fazer cinema, ao mesmo tempo irreverente mas respeitosa dos grandes mestres do passado, anárquica mas socio-politicamente consciente, artisticamente egocêntrica mas universal."

Dizer que Godard reinventou sozinho o cinema dos anos 1960 pode ser um exagero, mas não é estar muito longe da verdade. Nunca fui, nem na altura, nem agora, um grande fã do cinema independente europeu, ou melhor, do cinema, de onde quer que ele venha, que é uma expressão egocêntrica pedante, artificialmente artística, pseudo-social do seu criador. Para mim, o bom cinema pode ser mais comercial ou mais intelectual, pode ser mais acessível ou mais intrincado, pode não ter uma pinga de conteúdo (ser puro entretenimento) ou ser socialmente relevante, mas tem sempre de contar uma boa história, e contá-la bem. Tem de ser feito para o espectador, não para o crítico, não para satisfazer um ego artístico. Mas ler Godard, pelo menos o dos anos 1960, desta segunda forma seria, na minha perspectiva, errado (o Godard posterior já não defendo assim tão veementemente…). É verdade que os seus filmes não são lineares, nem por vezes fáceis de seguir. É verdade que quebraram todas as convenções da linguagem cinematográfica. Mas fizeram-no com uma excitante e hipnotizante fúria. Fizeram-no com uma confiante anarquia aliada a um incrível domínio da técnica cinematográfica, originando obras que são mais do que a representação de uma determinada geração; são a representação de todas as gerações jovens que lhe seguiram, são a sua forma mais poderosa de expressão.

Como diz Samuel Fuller, o independente realizador americano de obras como ‘Pickup on South Street’ (1953) ou ‘Forty Guns’ (1957) e um dos heróis da Nouvelle Vague, no pequeno cameo que tem em ‘Pierrot le Fou’: “O cinema é um campo de batalha”. E através do cinema, do verdadeiro cinema, Godard maleou a cor, o som, os diálogos, a voz off, a banda sonora, os movimentos de câmara, os intertítulos e a fina linha entre a realidade e a fantasia para criar poderosas poesias visuais incrivelmente ritmadas – verdadeiras batalhas contra o sistema e as convenções que permanecem nos sentidos e nas memórias dos espectadores muito depois dos créditos terem rolado. ‘Pierrot le Fou’ pode não ser o melhor filme de Godard (para mim talvez esteja num honroso segundo lugar atrás de ‘Le Mepris’, ex-áqueo com ‘Masculin Feminin’), mas é o expoente máximo desta forma intensamente apaixonada de fazer cinema, ao mesmo tempo irreverente mas respeitosa dos grandes mestres do passado, anárquica mas socio-politicamente consciente, artisticamente egocêntrica mas universal. Por isso é que cada vez que revejo este filme (porque é uma necessidade revê-lo) sou invadido pelo mesmo tipo de excitantes sensações que me percorreram o corpo a primeira vez que o vi, quando era jovem e tinha a vida inteira por descobrir.

Feito entre ‘Alphaville’ (1964) e ‘Masculin féminin’ (1966), e herdando de clássicos como ‘Gun Crazy’ (1950) ou a lenda de Bonnie e Clyde, o resumo simplista é que ‘Pierot le Fou’ reinventa a clássica fórmula do cinema noir, contando a história de um par de amantes criminosos em fuga. Mas como em Godard nada é simplista, o que ele faz com esta premissa é particularmente brilhante. Tudo o que é preciso para fazer um bom filme é uma rapariga e uma arma, disse uma vez. É. Se os filmarmos como Godard os filma. E nunca os filmou tão bem como em ‘Pierrot le Fou’. Toda e cada composição deste filme é uma obra de arte, uma pintura do artista Godard. Há um contraste paradoxal mas magnífico entre a vertente técnica (a fotografia, o design de produção, a posição da câmara, a edição) cuidadosamente trabalhada até ao mais ínfimo pormenor; e a vertente humana, que parece livre de quaisquer regras.

"Tudo o que é preciso para fazer um bom filme é uma rapariga e uma arma, disse uma vez. É. Se os filmarmos como Godard os filma. E nunca os filmou tão bem como em ‘Pierrot le Fou’. Toda e cada composição deste filme é uma obra de arte (...) Há um contraste paradoxal mas magnífico entre a vertente técnica (...) cuidadosamente trabalhada até ao mais ínfimo pormenor; e a vertente humana, que parece livre de quaisquer regras."

Os actores – principalmente a divinal Karina – fluem naturalmente (com aquela naturalidade que só o cinema dos anos 1960 parecia ter) por quadros de estética rígida caracterizados pelos azuis e os vermelhos (as cores de França); mas ao mesmo tempo parecem estar perfeitamente cientes de que são meras peças nessas composições. A cena em que as duas personagens principais percorrem Paris de carro à noite é o perfeito exemplo deste contraste. O carro está claramente imóvel, Belmondo mal mexe o volante, e só as brilhantes luzes reflectidas no vidro se movem. É uma assumida estilização. Mas não há nada de artificial nas emoções que transpiram entre ambos nesta cena. Idem para o facto de, apesar da violência latente nalgumas cenas, o sangue, vermelho garrido, ser clara e propositadamente artificial. É esta permanente antítese que leva o filme a desenrolar-se na fina linha entre a realidade e a ficção, um sonho acutilante e trágico, uma alegoria ao mesmo tempo vibrante e pungente, que a estilização só torna mais poderosa.

O filme começa por nos apresentar Ferdinand (Jean-Paul Belmondo), um homem que casou com uma rica mulher que não ama para ter algum conforto na vida. A sua voz off preenche o ecrã quando, sentado numa banheira, lê uma reflexão filosófica sobre o pintor Velasquez, e logo nos apercebemos que vive uma vida de extremo tédio. A sua mulher obriga-o a ir a uma festa onde, em ambientes brilhantemente fotografados, ele ainda mais mergulha nesse enfado ao ouvir as conversas da alta sociedade que mais parecem contínuos anúncios consumistas. É aí que Fuller lhe diz que o cinema é um campo de batalha, mas Ferdinand provavelmente apercebe-se que a sua vida, para ser vida, também terá que ser. Por isso regressa a casa para ir falar com a babysitter, Marianne (a eternamente bela Ana Karina, musa de Godard já no seu sexto filme para ele), uma elusiva mulher com quem tivera uma relação cinco anos antes e que reencontrara nessa mesma noite pela primeira vez passado todo esse tempo. 

Percorrendo de carro as ruas de Paris, com incrível subtileza (e uma pontinha de tragicismo que dá pistas para o desenlace da história) apercebem-se que precisam um do outro para quebrar o tédio das suas vidas e voltar a sentir algum tipo de excitação. Ou pelo menos é isso que Ferdinand (ou como Marianne lhe chama sempre, Pierrot, devido à canção ‘Mon ami Pierrot’) sente, e por isso não hesita em voltar a envolver-se com ela. Passam a noite juntos mas na manhã seguinte Marianne vai matar um homem e Ferdinand, demasiado envolvido, acaba por fugir com ela.

"Uma das coisas mais fascinantes em ‘Pierrot le Fou’ é que os motivos (...) nunca são abertamente explicados (...) E isto é fascinante porque nos apercebemos que não haveria necessidade nenhuma para explicações (...) Não é preciso explicar, só é preciso sentir. Não propriamente em termos emotivos, mas em termos reactivos à sucessão provocante de cenas, à montagem quebra-convenções e aos diálogos elusivos."

Uma das coisas mais fascinantes em ‘Pierrot le Fou’ é que os motivos para este assassinato, como aliás toda a contextualização da personagem de Marianne, nunca são abertamente explicados. Marianne repete em voz offexplicarei tudo” mas nunca o faz. Em vez disso, ao longo de todo o filme, as voz off explicativas, quer de Ferdiand, quer de Marianne, surgem como fragmentos desconexos, sentimentos ditos em voz alta, pedaços de pensamento ouvidos aqui e ali, sem necessariamente terem uma sequência ou uma coerência. São antes uma amálgama poética de sensações que dão a batida para as imagens e que aos poucos vão revelando o íntimo das personagens.

E isto é fascinante porque nos apercebemos, numa versão distorcida do MacGuffin de Hitchcock, que não haveria necessidade nenhuma para explicações (mesmo que isso alheie o espectador moderno demasiado habituado à fórmula de Hollywood), e até que se tal acontecesse nos estragaria a ilusão; a ilusão do cinema de Godard. Não é preciso explicar, só é preciso sentir. Não propriamente em termos emotivos, mas em termos reactivos à sucessão provocante de cenas, à montagem quebra-convenções e aos diálogos elusivos. A cena do assassinato, por exemplo, é tão etereamente bela e está estruturada de uma forma tão poeticamente balética que ficamos tão extasiados e apaixonados pela técnica cinematográfica que a morte em si se torna totalmente secundária. É apenas um catalisador para o sonho, por vezes idílico, por vezes transformado em pesadelo, que Godard concebe em forma de filme. É apenas um catalisador para a fuga; da realidade, das convenções, da monotonia da existência, que a odisseia destes dois amantes representa.

Claro que há um objectivo nesta constante, chamemos-lhe, provocação intelectual. O filme está cheio de innuendos e outras referências não tão subtis a vários relevantes temas políticos da então actualidade: a Guerra do Vietname (a cena em que Marianne se veste como uma vietnamita é mais que óbvia), à Guerra da Argélia, aos ensinamentos de Mao, e ao tráfego de armas, que na realidade parece ser o motivo para o assassinato (há várias armas no apartamento e Marianne refere constantemente o seu irmão que parece ter negócios ilícitos em África). Ou então não. Mas isso de novo não interessa pois, numa manobra de mestre, Godard usa o seu cinema para fazer uma poderosa crítica ao status quo sem contudo criticar uma única vez directamente o que quer que seja. As alegorias sociais e políticas é suposto existirem, são uma natural parte da história e do cinema provocante dos anos 1960, mas não consomem, como tantas vezes acontece, o filme. ‘Pierot le Fou’, como ‘Gun Crazy’, pertence aos amantes, independentemente do contexto, e isso dá ainda mais força à sua trágica odisseia.

"Numa manobra de mestre, Godard usa o seu cinema para fazer uma poderosa crítica ao status quo sem contudo criticar uma única vez directamente o que quer que seja. As alegorias sociais e políticas é suposto existirem, são uma natural parte da história e do cinema provocante dos anos 1960, mas não consomem o filme. ‘Pierot le Fou’ pertence aos amantes, independentemente do contexto, e isso dá ainda mais força à sua trágica odisseia."

A segunda parte do filme, uma vez a fuga consumada, é mais lenta. Ferdinand e Marianne abdicam do dinheiro roubado (Ferdinand queima algum, Marianne atira o resto ao mar) e decidem começar uma existência idílica, praticamente como eremitas, na orla do Mar Mediterrâneo. O filme dá-se ao luxo de mudar de tom (a cena na bomba de gasolina é quase caricata) e depois, em pequenas cenas de semi-felicidade em que a fotografia do mestre Raoul Coutard parece ainda mais viva e garrida (uma ilusão portanto, como o Eastmancolor) acompanhamos o seu despreocupado dia-a-dia enquanto nadam no mar e deambulam pela floresta, lendo, recitando poesia, cantando (a deliciosa sequência ‘Ma Ligne De Chance’ parece tirada um filme de Jacques Demy) e vivendo a vida com uma extasiante sensação de liberdade.

Mas há sempre algo que não soa bem neste enquadramento. Os amantes sabem, tal como o espectador, que a felicidade desta existência pacífica, deste regresso às origens, é efémera. Primeiro porque não é esta a sua verdadeira natureza, como se vê pela forma como Marianne rapidamente se enfada deste estilo de vida. Os seus olhares directamente para a câmara são mais do que significativos, tal como é apercebermo-nos que ela não está tão tragicamente ligada a Ferdinand como ele está a ela. “Eu amo-te… à minha maneira” diz Marianne, mas isso não é suficiente para ficar saciada. Como uma moderna femme fatale, precisa sempre de mais. E segundo porque o passado finalmente apanha-os, senão pela mão da justiça, pelo menos sob a forma de umas personagens misteriosas, supostamente ligadas ao tráfego de armas e ao irmão de Marianne, que os perseguem.

De uma ilusão idílica para uma ilusão atormentada, o filme entra numa extraordinária espiral emocional. Marianne desaparece depois de deixar mais um cadáver. Ferdinand é torturado para revelar o paradeiro do dinheiro. Voltam a reencontrar-se. Um novo plano. Um novo assalto. Uma nova fuga. As tensões aumentam, tal como as suspeitas. O que é verdadeiro? O que é a mentira? “Eu acredito em ti sua mentirosa”, diz Ferdinand. Foram sinceros um com o outro, ou está prestes a ocorrer uma traição? É significativo que, repetindo o momento de ‘Gun Crazy’ em que cada amante diz que ama o outro quando param os carros lado a lado, Godard dê precisamente o final oposto à cena? E assim prosseguem sem destino, rumo à perdição, rumo ao abismo…

"‘Pierrot le fou’ é um filme magnífico porque possui uma incrível segurança formal na sua anarquia. (...) É fácil para qualquer crítico louvá-lo como um brilhante estudo alegórico, crítico e revolucionário sobre a violência, a guerra, e as convenções sociais (...). Mas é muito mais do que isso. É a própria vida (... ) é um estudo sobre a natureza humana, sem cedências, sem compromissos (...) No fundo, não será este filme um hino ao amor e à vida?"

‘Pierrot le fou’ é um filme magnífico porque possui uma incrível segurança formal na sua anarquia. Ao longo do filme Godard inunda o ecrã de informação que abarca todo o espectro da cultura; pintura, música, literatura (a determinado ponto é o diário de Ferdinand que marca o ritmo da narração) e claro, o próprio cinema. Isso faz com que por vezes o filme seja algo incompreensível, ou melhor, que seja totalmente subjectivo. É preciso rever o filme, praticamente cena a cena, para sorver toda a profundidade da reflexão que nos é apresentada a cada plano. Estas várias camadas obviamente geram opiniões apaixonadas, polémicas e contraditórias, pois ao mais belo estilo do cinema interventivo dos anos 1960, existem como parte indissociável da experiência, da sublime experiência que Godard apresenta (ou melhor instiga) em tom de desafio. 

Por isso mesmo é fácil, muito fácil, para qualquer crítico louvar ‘Pierrot le fou’ como um brilhante estudo alegórico, crítico e revolucionário sobre a violência, a guerra, e as convenções sociais (particularmente as francesas cujas cores, ironicamente, Godard nunca nos deixa esquecer). Não estaria enganado, mas também não estaria a fazer justiça à gigantesca dimensão desta obra. ‘Pierrot le Fou’ é muito mais do que isso. É a própria vida, é o sonho de uma viagem às profundezas da alma, um grito gutural pelo reconhecimento, um grito para que o homem consiga entender os seus próprios limites e as suas próprias fraquezas. É uma portentosa alegoria sobre como a busca pelos simples prazeres idílicos da vida, pela efémera felicidade, está já corrompida à partida, não por um desígnio nefário dos deuses, mas porque o próprio homem é falível e tropeça nas suas próprias folias com uma inevitabilidade trágica. As convenções podem sempre ser quebradas. Godard quebra-as todas despreocupadamente, na montagem e no argumento, como aliás explica na cena em que de repente Ferdinand quebra a quarta barreira dirigindo-se directamente ao espectador, e quando Marianne lhe pergunta “com quem estas a falar?” ele responde, como se nada fosse: “o público”. Mas há algo que nunca pode ser quebrado, alterado ou deturpado. A natureza humana. E é isso que ‘Pierrot le fou’ é, acima de tudo, um estudo sobre a natureza humana, sem cedências, sem compromissos, mesmo que mascarado de noir que Godard estiliza e transporta para o seu mundo, para o seu cinema.

Marianne pode ser uma femme fatale à la sixties, mas não parte com um propósito inteiramente interesseiro. Só quer agarrar a vida, só quer sentir, como revela quando diz a Ferdinand que está triste porque ele fala com ela sempre em palavras e ela só quer olhar para ele em sentimentos. Mas para o fazer tem que ser volátil, agarrando o que pode, quando pode e com quem pode. E Ferdinand, "o louco" (uma melhor tradução seria "o tolo") também não é apenas uma vítima inocente. Conscientemente, deixa-se enrolar, deixa que ela o puxe para um abismo donde não há retorno, por causa dela. É graças a esta força emocional, a esta quase inocência trágico-poética que os envolve (as actuações de Karina e Belmondo são brilhantemente desgarradas, cientes da inevitabilidade do seu destino), que o filme ganha, pelo menos para mim, outra dimensão.

"Um filme incontornável da história do cinema, que fica gravado na alma anos depois de o termos visto pela primeira vez, e que acima de tudo é uma gigantesca e inebriante lição sobre como fazer CINEMA. Nunca se viu verdadeiro cinema até se ter visto um filme de Godard dos anos 1960. E nunca se viu uma verdadeira obra-prima até se ter visto ‘Pierot le fou’."

Muito para além da filosofia, da cultura e da crítica, muito para além do formalismo cinematográfico, este é um filme acutilantemente humano, que se interpreta através das emoções; e são as imagens, as poderosas imagens que mergulham intensamente num abismo trágico de beleza, vida, amor e poesia, que contam o que precisa de ser contado. No fundo, não será este filme um hino ao amor e à vida? O incrivelmente poderoso clímax, com a imagem mais marcante do filme quando Belmondo surge com a face coberta de tinta azul, seguido poucos segundos depois de uma sussurrada e lírica voz off, não será a maior prova disso mesmo?

‘Pierrot le Fou’ é um filme poderoso que deixou uma marca emocional, não só numa geração, mas no cinema. Não é por acaso que importantes obras americanas da década seguinte se inspirariam nele, como foi o caso de ‘Bonnie and Clyde’ (1967) e, notavelmente, o primeiro filme de Malick, ‘Badlands’ (1973), que segue uma estrutura argumental similar. Mas ‘Pierrot le Fou’ está quilómetros à frente destas entradas, principalmente porque há algo intangível no seu extasiante ritmo, no seu perfeito equilíbrio entre a ilusão e a realidade, entre a anarquia e o domínio técnico, entre a irreverência e a sentida emotividade que possui. Podemos chamar-lhe inúmeras coisas: etéreo, inovador, revolucionário, emotivo, poderoso. Mas a palavra que melhor o caracteriza é a que já utilizei: “humano”. Um filme incontornável da história do cinema, que fica gravado na alma anos depois de o termos visto pela primeira vez, e que acima de tudo é uma gigantesca e inebriante lição sobre como fazer CINEMA. Nunca se viu verdadeiro cinema até se ter visto um filme de Godard dos anos 1960. E nunca se viu uma verdadeira obra-prima até se ter visto ‘Pierot le fou’.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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