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Histoire(s) du cinema: ‘There’s Something About Mary’ (1998); ou a primeira vez que fui ao cinema com o meu ‘bando’ de amigos a um centro comercial

Adolescência. Aquele período das nossas vidas em que começamos a ir com um grupo de amigos em bando para todo o lado. Vamos a um café depois das aulas. Vamos a um evento desportivo. Juntamo-nos em casa de um amigo cujos pais estão fora. Mais tarde vamos a um bar ou a uma discoteca. Vamos a um festival de Verão. Vamos de férias. Mas algures aqui pelo meio vamos também ao cinema. A primeira vez, para mim, e para o meu “pack”, foi algures no final de 1998. Tínhamos 14 anos de idade.

Obviamente, já tínhamos ido ao cinema todos juntos, numa festa de anos ou numa qualquer actividade lúdica da escola. Mas até então tínhamos sempre sido supervisionados por adultos, fossem pais ou professores. Mas nesse glorioso dia em 1998 fomos pela primeira vez ao cinema sozinhos; só nós, livres, donos do mundo, sem controlo a não ser os nossos próprios referenciais distorcidos pela juventude, ainda mais distorcidos porque nestas idades um bando cinco cabeças, definitivamente, não pensam melhor do que uma. 


Mas nem tudo foi mérito nosso. Fomos auxiliados por um importante fenómeno socioeconómico: o aparecimento dos centros comerciais de larga escala. Quem cresceu na cidade do Porto, em Portugal, como eu, viu a sua vida social e consumista revolucionada pela abertura do gigantesco Arrábida Shopping no final de 1996 e, nesse preciso ano de 1998, pelo ainda maior Norte Shopping. Para nós foi perfeito. Tivemos a possibilidade de viver a nossa era gloriosa do ‘mall’ durante os anos de liceu, tal como os jovens americanos o haviam feito uma década antes, nos filmes do brat pack. Tínhamos a idade certa para desfrutar da novidade com a inebriante sensação da liberdade e da descoberta. Foi só aproveitar.

O cinema desempenhou um papel importantíssimo nesta nova etapa da nossa vida social. Com múltiplos cinemas de bairro a fechar por toda a cidade, o “ir ao cinema” teve necessariamente de se transladar para estes mega espaços. Só o Arrábida Shopping, por exemplo, tinha, e ainda tem, 20 salas. Para nós, que nunca tínhamos visto nada assim, era como descobrir a Ilha do Tesouro.

O que se seguiu foram múltiplos fins-de-semana, feriados ou outros dias sem aulas em que repetimos quase sempre a mesma rotina. Não podíamos sair à noite (não tínhamos ainda permissão para isso) portanto tudo se passava na primeira metade do dia. Encontrávamo-nos no centro comercial ao final da manhã, pelas 11h ou 12h. Os nossos pais iam-nos levar e, múltiplas recomendações depois, lá nos deixavam à nossa sorte. E que sorte a nossa! O ponto de encontro podia ser à porta dos cinemas, ou então nas míticas arcadas ou salas de jogos, em que uma moedinha nos dava acesso a jogos que nunca sonharíamos que um dia facilmente poderíamos jogar em casa.

Depois de estarmos todos, chegava o momento da grande decisão: que filme ir ver? Não me lembro de alguma vez lá ter chegado (nesta idade isto é) com o filme já escolhido. Era uma decisão semi-democrática, sendo que alguns de nós, como aqui o vosso fiel narrador, eram ‘influenciadores’ de opinião. É certo que estávamos ali para nos divertir. Mas não queria ir ver propriamente uma porcaria! Obviamente comédias e filmes de acção eram as escolhas mais populares (são os que se vêem como “pack”, não é?!) mas havia também outro critério importante: a hora. O objectivo era vermos o filme na sessão o mais cedo possível, para termos tempo de sobra para irmos às arcadas ou ao bowling antes dos nossos pais nos virem recolher a meio da tarde.


Nestes anos memoráveis, inúmeros foram os filmes que vimos nas sessões das 13h, após almoços rápidos de pizzas ou hambúrgueres. Por ser tão cedo, por vezes até tínhamos a sorte de estar sozinhos na sessão, o que tornava a experiência ainda mais divertida, embora não totalmente satisfatória para os poucos de nós que realmente estavam interessados em ver o filme, como eu já nessa idade. “Jabardice” tudo bem. Mas com contenção e desde que não me impeça de ver o filme!

Pois bem, o primeiro de todos os filmes que vimos nestas circunstâncias foi o mega sucesso de bilheteira dos irmãos Farrelly 'There’s Something About Mary’ (em português ‘Doidos por Mary’). De acordo com o imdb, o filme estreou em Portugal a 30 Outubro de 1998, portanto esta nossa aventura há de ter ocorrido algures nessa ou nas semanas seguintes. Uma coisa sei: foi no Arrábida Shopping. Não me lembro se havia outros filmes em exibição com interesse para jovens da nossa idade, mas esta foi uma escolha perfeitamente natural. Era a comédia da qual toda a gente estava a falar e parecia ter um humor brejeiro e sexual, perfeitamente adequado para fazer rir jovens parvos a despertar para a vida. Precisamente, o filme provou ser daquelas obras que resulta muito bem com o efeito ‘bola de neve’ de riso numa sala de cinema, especialmente se essa sala está cheia de jovens rapazes que estão numa competição para ver quem faz o comentário mais estúpido para “impressionar” os outros…

Cinematograficamente falando, foi também a primeira vez quer vi um filme dos irmãos Farrelly, e a primeira vez que vi um filme com actores como Ben Stiller ou Matt Dillon. Mas é preciso salientar que já éramos todos exímios conhecedor de Cameron Diaz. Afinal, anos antes, tínhamos todos ido ver ‘The Mask’ (1994) ao cinema numa festa de anos e, como os meus pais me ofereceram o VHS original num certo Natal, já tínhamos revisto o filme em minha casa mais do que uma vez!


Mas ao contrário de outras experiências cinematográficas da minha juventude (algumas já narradas neste ciclo de histoire(s) du cinema) não me recordo especificamente desse dia como um todo. Recordo-me de estar na sala. Recordo-me das gargalhadas e das bocas que mandamos uns aos outros quando Stiller fica com o fecho-éclair preso onde não devia ou quando Diaz usa uma laca do cabelo bem especial. Mas não sei especificamente se foi o dia em que comemos aqui ou ali, ou se depois do filme fomos às arcadas, ao bowling ou simplesmente andamos a “pastar” pelo shopping. Todas essas memórias estão misturadas no mar emocional desses verdes anos para formar a experiência do todo, o todo que foi a minha adolescência. Não são os dias que permanecem na memória; são os momentos. Os momentos dos encontros, das piadas, das brincadeiras, dos almoços, do tempo passado nas arcadas, dos primeiros namoros. Se ocorreram no dia em que fomos ver ‘There's Something About Mary’ ou no dia em que fomos ver ‘American Pie’ (1999) é o menos importante. Aconteceram, vivi-os, e isso é o que importa. Foram aventuras, dias de diversão, dias de descoberta, em que muito mais que o cinema prevalece na memória, mas que sem o cinema como “desculpa” e peça central do dia, não existiriam.

Vi muito mau filme nesses anos, filmes que nunca mais revi como ‘I Know What You Did Last Summer’ (1997), ‘American Pie’ ou ‘Scary Movie 2’ (2001), mas também vi outras coisas mais interessantes como ‘Enemy of the State’ (1998), ‘The Hurricane’ (1999), ‘Enemy at the Gates’ (2001) ou até ‘Shakespeare in Love’ (1998), o primeiro filme que vimos com um bando misto, ou seja, em que as raparigas também se juntaram ao grupo. Não trocaria estas experiências, essas sessões da hora do almoço, por nada.

Quanto a ‘There's Something About Mary’ apenas o revi uma única vez, na televisão, muitos anos mais tarde. Obviamente, não o achei grande coisa. Uma comédia de tons brejeiros e pouco mais, que com o ganho de maturidade do espectador perde o interesse. Mas isso não é importante. O importante é que estava em exibição no cinema quando era preciso. Serviu o seu propósito, e por isso sempre lhe terei uma divida de gratidão. Tínhamos 14 anos de idade e o mundo era nosso. E ‘There’s Something About Mary’ deu-nos o entretenimento despreocupado de que precisávamos para rir e crescer, e abriu as portas para uma rotina que nos proporcionou algumas das grandes experiências das nossas jovens vidas. E isso não tem preço.

Esta é a minha histoire du cinema sobre ‘There's Something About Mary’ e o maravilhoso mundo de ser jovem num centro comercial. Qual é a sua, caro leitor?

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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