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Dracula

Ano: 1931

Realizador: Tod Browning

Actores principais: Bela Lugosi, Helen Chandler, David Manners

Duração: 75 min

Crítica: Se eu fosse um monstro a viver na década de 1930 na Califórnia e aspirasse ser uma estrela de cinema, só havia um estúdio em que podia estar: o Universal Studios.

O estúdio que anos mais tarde ficaria conhecido como ‘Home of the Monsters’ (a casa dos monstros) buscou sempre, nas primeiras décadas da sua formação, formas eficazes (e baratas) de agradar ao público e dar-lhe um cinema, se não completamente artístico, pelo menos de forte entretenimento, ou seja, uma forma de escapismo mais de massas do que de críticos e de prémios. Nas décadas de 1910 e 1920, a Universal produziu centenas de westerns (um género então considerado de série B por definição). Na década de 1930 a Universal foi responsável, quase em exclusividade, pela criação do género de terror. E se os westerns do estúdio foram indispensáveis para servir de base, e criar talento (por exemplo John Ford) para as obras-primas que surgiriam após 1939 – quando o western ganhou credibilidade – assim também estas pérolas de ‘terror’ de 70 minutos foram cruciais para inspirar todos os filmes do género que se seguiram, até aos dias de hoje.

Na realidade, a Universal fez a aposta certa na altura certa. Por um lado, o som tinha acabado de surgir e o cinema estava a explorar as potencialidades da nova tecnologia. Em 1929, por exemplo, Hitchcock tinha mostrado em ‘Blackmail’ como o som poderia ser usado para incrementar a sensação de terror e gerar arrepios na espinha do espectador. A mistura de efeitos sonoros com uma banda sonora coordenada seria fulcral para o sucesso dos filmes de monstros posteriores. Por outro lado, o cinema estava na sua década de explosão. A grande depressão nos Estados Unidos, pós 1929, atirou milhares de pessoas para o escapismo barato que o cinema podia proporcionar. As tardes passadas no cinema, em pacotes que incluíam, num único bilhete, uma curta-metragem de animação (Silly Symphonies, Tom & Jerry, etc), uma newsreel, e dois filmes; um mais pequeno, de pouco mais de uma hora, para ‘entreter’, e um mais sério e mais importante logo a seguir (a ‘main feature’), passaram a fazer parte da cultura americana. E foi no nicho desses primeiros filmes, não pretensiosos, sem as grandes estrelas e de baixo orçamento, que a Universal explorou, e explorou fortemente.

Para além do mais, se estas pequenas pérolas de 70 minutos poderão parecer hoje em dia algo lentas, lamechas e pouco assustadoras, temos que nos lembrar que estes ‘conceitos’ estavam a ser apresentados praticamente pela primeira vez (alguns filmes mudos como ‘Nosferatu’ ou ‘The Man Who Laughs’ exploraram esses universos) e que o público da altura ficava realmente afectado e assustado com os eventos no ecrã, pela simples razão que nunca tinham visto nada de semelhante anteriormente. Neste contexto a Universal revelou ao Mundo os universos de Drácula, Frankenstein, Wolf-Man, Múmia e do Homem-Invisível, surpreendendo e deleitando os espectadores. Infelizmente, esta explosão inicial perdeu rapidamente momento, quando os remakes, as sequelas, as homenagens e as paródias ridicularizaram tanto o género que é quase impossível olhar para os filmes originais sem pensar que também fazem parte desse universo kitsch ou cómico. Mas um olhar mais atento, e um absorver do contexto, deixa transparecer rapidamente que estes filmes têm uma magia particular, e uma qualidade técnica cinematográfica inegável. Só grandes obras, mesmo que conceptualmente ‘pequenas’, poderiam influenciar assim tanto um género, e ainda exercer essa influência hoje.

‘Drácula’, versão de 1931, foi o primeiro destes filmes de monstros produzido na Universal. Para o papel de Drácula, visto que o grande Lon Chaney (o homem que fizera de Fantasma da Ópera, Corcunda de Notre Dame e muitas outras personagens de exigente metamorfose na era do mudo) havia morrido em 1930, a Universal acabou por escolher Bela Lugosi, um Húngaro de 50 anos que tinha tido já uma longa carreira no cinema pouco reconhecida, mas que obtivera grande sucesso como Drácula na peça de teatro de 1927 no qual o argumento do filme é directamente baseado (mais que no livro de Bram Stoker). E a verdade é que a performance de Lugosi como Drácula é tão impactante que o seu sotaque húngaro, o seu tom de voz e a sua postura definiram para sempre a identidade cinematográfica desta personagem.

Mas ‘Dracula’ não vive só do claro magnetismo do seu actor principal. Toda estrutura técnica cinematográfica é de primeiríssima qualidade, apesar dos fracos recursos. O realizador do filme é Tod Browning (que um ano depois realizaria o imortal ‘Freaks’ e que realizara muitos dos filmes de Chaney) e o director de fotografia é o alemão Karl Freund (que realizaria também o primeiro filme da ‘Múmia’ com Boris Karloff em 1932). A parceria entre este realizador intenso, realista e profundo, e um director de fotografia que trouxe da Alemanha o estilo Gótico de Caligari e Nosferatu para o cinema americano, faz com que ‘Dracula’ tenha um espantoso desenho de produção, um inteligentíssimo uso de jogos de luz e sombra, e uma beleza nos planos e nos contrastes que só os filmes a p/b conseguem ter.

Seguindo bem de perto a estrutura conceptual de ‘Nosferatu’ (1922), o filme alemão de Murnau que recriou pela primeira vez no cinema o livro de Bram Stoker (incrementando muitas liberdades narrativas que foram adoptadas pelos filmes americanos como sendo parte integrante do livro…), sem no entanto ter a sua profundidade gótica nem um décimo do seu ‘terror’, ‘Dracula’ (bem como a maior parte das adaptações até aos dias de hoje) segue os passos agora familiares do público contemporâneo habituado a ver os filmes do maior dos vampiros. Assim a história segue a viagem de Ranfield (uma performance fantástica do actor Dwight Frye) até à Transilvânia, o encontro com o conde (e mais tarde com as suas noivas), a venda da Abadia de Carfax, a viagem do Conde de barco até Inglaterra, e finalmente as maquinâncias do Conde contra os seus vizinhos do Senatório, até que Van Helsing finalmente o desmascara e confronta.

A maior parte dos planos de câmara são estáticos e o argumento é muito pausado e cheio de diálogos, como era prática comum na época. Ainda por cima, apesar do ambiente de ‘Nosferatu’ ser mais ou menos replicado, a verdade é que, por o filme ser baseado na tal peça da Broadway de 1927, existe uma grande morosidade na acção, que é ainda tornada mais pesarosa pela total ausência de música, excepto aquela que faz parte da acção (uma orquestra a tocar, etc). Esta ausência de ‘banda sonora’ é notável na maior parte dos filmes do início da década de 1930, porque não se sabia ainda se o público conseguiria aceitar uma música a surgir do nada para acompanhar a acção. Para além do mais, todas as sequências assustadoras do filme acontecem fora do olhar da câmara (ou a câmara ou as personagens se desviam no momento oportuno), e muitas coisas que acontecem são contadas e não filmadas (por exemplo Mina conta no dia seguinte como foi o seu encontro com Dracula na noite anterior). Nunca vemos o vampiro a morder o pescoço de ninguém, nem as seduções (de Lucy por exemplo, tão batida nas adaptações de hoje em dia), nem sequer uma única vez os dentes de vampiro na boca de Lugosi, ou até a estaca a ser espetada no seu coração no final. 

Estas acções escondidas certamente dão ao filme alguma atmosfera de tensão, que permitia incendiar a imaginação do público na altura, pouco ou nada habituado a este tipo de histórias. Este brincar com as emoções da audiência, o provocar com um horror nunca visto, até poderia resultar na altura, mas esta ausência de emoções visíveis no ecrã desapontará a maior parte do público contemporâneo, que já viu tudo e mais alguma coisa, o que contribui para o aspecto datado do filme. O mais perto que o filme chega de horror realmente filmado surge aquando dos close ups do rosto e dos olhos de Lugosi. Estes, iluminados em todas as cenas por dois pequenos focos de luz (uma ideia de Freund) de forma a ficarem constantemente a brilhar, aliados à expressão subtilmente sádica de Lugosi, bem como ao seu sorriso semi-diabólico, contribuíram mais para a criação do mito do Drácula no cinema moderno do que qualquer outro elemento. Só por estes close ups, o filme quase que vale a pena.

Mas há mais coisas que desapontam do que propriamente entretêm. O clímax do filme é extremamente frouxo, e no final há a sensação que se poderia ter extraído muito mais desta produção do que aquilo que realmente se conseguiu. Diz-se que Browning estava devastado com a morte de Lon Chaney e que bebeu durante a maior parte das filmagens, mas isso não é desculpa. A actuação (retirando a de Frye e a de Lugosi) é boa para curar insónias, e os diálogos (que parece que nunca mais acabam) entre Van Helsing e Dracula praticamente não têm emoção nenhuma. O ser directamente baseado na peça de teatro certamente foi mais barato para a Universal (planeava-se uma versão muito mais excêntrica antes da queda da bolsa de 1929), e fez com que o filme resultasse na altura, mas que ficasse imediatamente muito datado. Quase ninguém se mexe de um lado para o outro, nem os actores, nem a câmara, nem a acção, o que é uma pena. Filmes subsequentes com Drácula inspiraram-se fortemente neste é certo, mas ganharam ritmo, intensidade, terror e sensualidade, características estas que literalmente não existem na versão de 1931. Mas como era tudo novidade, a verdade é que ‘Dracula’ foi um estrondoso sucesso de bilheteira, e o público da altura ficou realmente assustado com a mera presença de Lugosi, como relatos da época demonstram.

Este sucesso, claro, foi tudo o que a Universal precisava. A fórmula foi repetida, e repetida, e repetida… Mas os filmes da Múmia, do Homem-Invisível, do Frankenstein, etc, aprenderam quer com as qualidades, quer com os erros de ‘Dracula’. O que eu quero dizer é que, para mim, ‘Dracula’ é o pior de todos os filmes de monstros originais da Universal (não estou a contar com as sequelas por aí fora). ‘Dracula’ é um filme que hoje em dia deverá ser visto pela sua importância histórica e louvado pelos seus aspectos técnicos, mas pouco mais terá a oferecer para o público moderno.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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