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Drive

Ano: 2011

Realizador: Nicolas Winding Refn

Actores principais: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston

Duração: 100 min

Crítica: ‘Drive’ consegue atingir um feito de certo modo notável. Parte de um modelo típico de filmes de acção não muito bons dos anos 1980, com pitadas de pelo menos (que eu me tenha apercebido) duas obras artísticas excelentes mas pouco conhecidas (‘Thief’ de 1981, o primeiro filme de Michael Mann, com James Caan; e claro ‘The Driver’, de 1978, de Walter Hill com Ryan O’Neal), e transforma-o numa obra cinematográfica com excelência, mesmo que essa excelência seja algo forçada, não só pelas referências não citadas a estas grandes obras, como também por possuir um artificialismo excessivo em termos de estilo visual.

‘Drive’ é uma história típica de um homem calmo, misterioso, de poucas palavras, que devido a um conjunto de circunstâncias toma a luta contra um ‘mal’ nas suas próprias mãos e faz despoletar os horrores do inferno contra aqueles que fizeram mal a si e às pessoas que ama. 

Ryan Gosling (está na moda o homem – justificadamente!) é esse homem, um duplo de cinema com uma capacidade invulgar para conduzir carros, e que às vezes participa como condutor de carros de fuga em assaltos. A cena inicial é particularmente excitante, mesmo que de uma forma contida (ou melhor é ainda mais excitante porque é contida), e funciona perfeitamente para estabelecer o carácter da personagem. Claro que esta cena é uma cópia quase integral da cena inicial de ‘The Driver’ (1978), mas estou seguro que praticamente todas as pessoas que verão este filme não saberão disso, pelo que ficarão logo emocionalmente envolvidas com o filme, e agarradas à sua bem construída e apresentada adrenalina.

Nunca se percebe bem porque é que Gosling participa em assaltos de quando em quando. Pela adrenalina talvez. Ele não é ‘mau’. Nota-se isso logo no início, e ainda mais se prova quando ele fica muito amigo do filho da vizinha, e da própria vizinha (interpretada por Carey Mulligan), cujo marido está na prisão. A relação entre ambos podia acabar na sexual, mas nunca acaba, o que mais prova o carácter erecto de Gosling, como se fosse o homem sem nome dos velhos westerns (aliás o seu nome nunca é pronunciado, ou é Driver, ou é the Kid). Mais uma vez, isto parece inspirar-se fortemente em ‘The Driver’, onde a personagem de Ryan O’Neal também é chamada apenas de Driver, e nunca se envolve sexualmente com Isabelle Adjani, embora a história de ‘Drive’ acabe por tomar contornos diferentes, o que lhe oferece uma legitimada independência e mérito por direito próprio.

Quando o marido da sua vizinha sai da prisão e regressa com dívidas a mafiosos e é obrigado a fazer um assalto para as saldar, Gosling oferece-se como condutor. Tudo dá para o torto e a vingança dos mafiosos aproxima-se de Mulligan e do seu filho. É aí que Gosling sai do seu estado sempre calmo e passivo e entra numa senda de vingança para proteger a mulher e a criança…

A história de ‘Drive’ parece ser uma grande mescla entre duas obras-primas e um género cinematográfico mediano. A concepção da personagem é a de ‘The Driver’, mas o roubo e a vingança parecem ser tiradas de ‘The Thief’. Mas se ‘The Driver’ era um estudo muito mais introspectivo e de jogo psicológico, e ‘The Thief’ acaba por tomar contornos Michael Mannescos (quem gosta dos filmes de Mann sabe do que estou a falar – um urbanismo nocturno decadente), já a explosão de Gosling, uma personagem principal enigmática e sem nome, e a sua senda sangrenta de vingança urbana num sub-mundo de capangas mafiosos, parece ser inspirada em inúmeros filmes menores dos anos 1980, e não haverá grandes surpresas que 'Drive' possa oferecer a um público bem habituado a estas extravagâncias. Mas o que distingue ‘Drive’ deste género menor é o mesmo que distingue ‘The Driver’ e ‘Thief’ no meio dessa salgalhada de filmes de acção ‘mataste a minha mulher/filha/tia-afastada por isso vou atrás de ti’, ou seja, é o seu estilo visual/artístico e a sua ponderação emocional da acção.

Os americanos não estão habituados a estes tipos de filmes no modelo europeu (ou naquele que foi o modelo americano durante breves momentos nos anos 1970) e ‘Drive’ foi aclamado pelos grandes iluminados como uma obra-prima. ‘Drive’ tem muito poucas falas. ‘Drive’ tem pausas gigantescas em que as personagens ficam a olhar umas para as outras. ‘Drive’ tem planos de câmara artísticos. ‘Drive’ tem sequências em câmara lenta ao som de música. ‘Drive’ tem momentos de violência excessivamente ‘gore’ que, supõe-se, funcionem como contraponto chocante ao ritmo lento da construção do filme. Isto torna o filme, senão bom, pelo menos melhor, uma lufada visual de ar fresco, mas um experienciado em cinema fica sempre com a sensação que estes planos não surgem naturalmente, mas forçadamente, e muito do ‘artístico’ parece excessivo. Tudo no cinema é deliberado, obviamente, mas quando é deliberado demais também não resulta. Não há necessidade para tanto sangue nas cenas ‘gore’. Contrasta com o resto do filme é certo, salientando-se, mas ao mesmo tempo não se enquadra. Não há necessidade para nas cenas iniciais entre Gosling e Mulligan, quando mal se conhecem, haver tantas pausas e tantos olhares e tanta musiqueta. Não há necessidade para nalguns ‘ataques’ aos mafiosos Gosling usar a sua máscara de duplo, enquanto noutras não. A diferença é que nalgumas cenas fica bem artística e visualmente ele chegar em slow motion envergando a máscara, enquanto que noutras nem por isso. Nem ‘The Driver’ nem ‘Thief’ possuem esta pretensão artística. É bom que ‘Drive’ siga o seu próprio caminho, pois assim consegue suster-se como um filme de direito próprio, mas não terá ido o realizador Nicolas Winding Refn um pouco longe de mais? Não terá tentado fazer desesperadamente um filme ‘intelectualmente americanizado’, enraizado em clássicos fora do mainstream sobre o ladrão da noite, mas que tenta ao mesmo tempo ter aquela chama quer do cinema independente americano quer do arthouse europeu? No meio de tanta referência, ‘Drive’ tem um bocado de dificuldades em saber o que quer ser, mas a forma como está construído acaba por ser tão original e tão bem feita que se pode facilmente perdoar muito desta pretensão e deste artificialismo.

Não nos enganemos. ‘Drive’ é bom. Comparando com os recentes filmes americanos, uma pessoa pode dizer até que é muito bom. Gosling encarna bem a personagem (muito melhor do que seria Hugh Jackman, inicialmente contratado para o papel) e o rol de personagens secundários também. A crítica na altura destacou Albert Brooks, que chegou até a ganhar alguns prémios. Eu destacaria Bryan Cranston. Depois de o ver como pai na série cómica ‘Malcolm in the Middle’ é surpreendente o seu papel de xoninhas deficiente.




Um dos modelos artísticos que se pode dizer que ‘Drive’ segue é o de ‘No Country for Old Man’, o filme dos irmãos Coen. Arte intelectualmente americanizada, como lhe chamei em cima. Mas termino com isto para salientar uma coisa. A Academia deu 4 Óscares a ‘No Country for Old Man’, incluindo Melhor Filme e Realizador. Mas ‘No Country for Old Man’ é dos irmãos Coen, e foi lançado numa altura em que estes senhores estavam muito na moda. Já ‘Drive’ é de um tal de Nicolas Winding Refn, desconhecido, e cujo último filme havia sido ‘Valhalla Rising’ (2009). O público em geral poderá não perceber o modo artístico e europeu em que ‘Drive’ foi filmado, mas mesmo assim, e mesmo sabendo que se não houvesse pausas, nem planos artísticos e houvesse muito mais enfoque na acção isto seria um filme do Steven Seagal, uma coisa é certa. ‘Drive’ é mil vezes melhor que ‘King’s Speech’, que ganhou o Óscar de Melhor Filme nesse ano. ‘Drive’ é dez mil vezes melhor que ‘The Kids Are All Right’, ‘Winter’s Bone’, ‘Fighter’ ou ‘127 Hours’, todos nomeados para o Óscar de Melhor Filme. Gosling está bem melhor que Jesse Eisenberg, James Franco ou Colin Firth, os candidatos a Óscar de Melhor Actor (o último foi o vencedor… por gaguejar imagine-se!). Mas ‘Drive’ apenas teve uma nomeação: para edição de Som. Uma vergonha.

‘Drive’ será esquecido como ‘The Thief’, um filme ainda mais brilhante, já foi esquecido. Há algo de pouco apelativo neste formato, para a bilheteira, mas também para os críticos. Está num limbo entre o arthouse e o comercial e não agrada a nenhum dos extremos. Poderá ter as suas falhas, mas, mesmo com os artificialismos, mesmo com as cópias/homenagens que possui, ‘Drive’ apresenta Cinema, ‘Drive’ é Cinema. É bem construído, bem actuado, e bem trabalhado esteticamente. E se ‘King’s Speech’ ganhou Óscar Melhor Filme, então ‘Drive’ merecia entrada directa na biblioteca do Congresso.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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