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A Walk Among the Tombstones

Ano: 2014

Realizador: Scott Frank

Actores principais: Liam Neeson, Dan Stevens, David Harbour

Duração: 114 min

Crítica: Dizem que depois dos 50 anos é extremamente difícil para um actor/actriz de topo de Hollywood encontrar papéis principais. Papéis dessa idade são feitos por actores mais novos. Papéis de trintões ou quarentões também. E ainda não chegaram à idade em que podem fazer de ‘idosos’. Contudo, de vez em quando, um actor arranja um filão, e quando o consegue, agarra-se a essa imagem cinematográfica com unhas e dentes para a fazer render.

Um fenómeno muito curioso aconteceu em 2008. Liam Neeson, o conceituado e talentoso actor de ‘Schindler’s List’ (1993), ‘Michael Collins’ (1996) ou ‘Phantom Menace’ (1999) entrou num filme chamado ‘Taken’. O filme, sobre um ex-agente cuja filha é raptada e usa os seus dotes de acção para dar cabo de tudo e de todos até a ter de volta, foi um enorme sucesso de bilheteira (é um bom e dinâmico filme de acção, verdade seja dita) e marcou uma nova fase na carreira de Neeson. Nos últimos cinco anos, parece que Neeson está sempre a fazer este papel, em filmes variados. Com 60 anos, Neeson tornou-se o que outrora foram Bruce Willis, Stallone, Schwarzenegger ou Segal. Tornou-se um herói de acção – o herói de acção dos dias que correm, se considerarmos filmes que não envolvem efeitos especiais. E isso é incrível.

Na mesma semana em que somos brindados com o trailer de ‘Taken 3’ (como e que é possível?!), que sairá no início do próximo ano, Neeson entra em mais um thriller que estreia nas salas portuguesas, e que à partida não parecia desviar-se muito desta fórmula. Contudo, felizmente, ‘A Walk Among the Tombstones’ (em português 'O Caminho entre o Bem e o Mal') até tem uns truques na manga para surpreender os cinéfilos mais resingões, como eu, e acaba por ser uma experiência interessante de cinema. Tem um aspecto de filme antigo, fora do seu tempo, uma trama minimamente inteligente, embora inevitavelmente previsível (e, se pensarmos bem, pouco profunda e impregnada de lugares comuns), interpretações interessantes, e acção nas doses (quase) certas - mas certamente a menos se o espectador está à espera da explosividade de um ‘Taken’.

O filme é escrito e realizado por Scott Frank, que apenas realizou mais um filme, ‘The Lookout’ (2007), que nunca vi, mas que está creditado como argumentista de alguns filmes mais famosos, mas sinceramente não muito bons, como ‘Minority Report’ (2002), ‘The Interpreter’ (2005) ou ‘The Wolverine’ (2013). É baseado nos romances de Lawrence Block, sobre o detective Matt Scudder, que obviamente é interpretado por Neeson.

A primeira cena é o prólogo, passado em 1991, e vemos um Matt novo e desgrenhado (Neeson está caracterizado de uma forma bastante artificial), a discutir com o seu parceiro da polícia, e a entrar num bar. Claramente está bêbado, mesmo em serviço. Segundos depois o bar é assaltado e o empregado morto. Matt vai atrás dos delinquentes e consegue caça-los. Entra o genérico. Oito ano depois, em 1999, encontramos um Matt mais asseado, sóbrio, simpático. Despediu-se da polícia, frequenta os alcoólicos anónimos e agora é detective privado, por conta própria. Obviamente, algo passou-se naquele dia fatídico, que foi essencial para a mudança da sua personagem, e que lhe dá profundidade e um motivo lógico para, ainda hoje, procurar a redenção. O filme só mostra esse evento revelador, em flashback, 90 minutos depois de ter começado, como se fosse uma grande surpresa. Mas eu digo, se é para nos darem surpresas desse género ENTÃO NÃO AS INSIRAM NO TRAILER! Quem viu o trailer já sabe exactamente o que se passou depois de Matt alvejar os delinquentes que assaltaram o bar, e percebe, desde o início, o que o tornou um solitário ex-policia à procura de uma oportunidade para remediar os males passados…

Mas adiante. Nesse dia, um drogadito chamado Peter (Boyd Holbrook) vai ter com ele. O seu irmão Kenny (Dan Stevens, sempre com um ar intenso… demasiado intenso), um poderoso traficante de droga, necessita dos seus serviços. Um relutantes Matt vai ouvir a sua história. A mulher de Kenny foi raptada e, mesmo Kenny tendo pago o resgate de 400 mil dólares, foi morta e cortada aos bocadinhos. Kenny quer que Matt encontre os tipos que o fizeram, para fazer justiça pelas próprias mãos.

Matt começa a investigar, a falar com pessoas, a seguir pistas. Desfrutei bastante do filme nesta fase. Está feito de uma forma old school que me cativou. Por duas vezes, os nomes de Sam Spade e Philip Marlon, dois detectives mais icónicamente interpretados por Humphrey Bogart nos anos 1940, são mencionados, e o filme parece estar a tirar lições dessa forma de fazer cinema. Isto, felizmente, sem uma única fez tornar isso artificial ou insinuar ao público “estão a ver, estamos a fazer uma homenagem”. Neeson é o centro da trama, aparece em todas as cenas, e vai investigando, falando com uma personagem de cada vez, reunindo as peças do puzzle. Os enquadramentos bem trabalhados e estilizados, o ritmo que está na história e nos diálogos e não na acção, a entrada de peculiares personagens secundárias, o uso abundante de banda sonora instrumental que vai ajudando o filme a fluir e lhe dá uma ponta de tensão constante, e até a existência do genérico inicial (raro nos dias de hoje), fazem com que este filme tenha um estilo cinematográfico datado, mas que não esta, de forma alguma, ultrapassado. Ver um filme que ainda se desenrola assim é uma delicia, independentemente da sua qualidade.

Contudo, isto é um filme moderno, e nem o carisma usual da interpretação de Neeson susteria um filme que só tivesse essas valências. Por isso, o filme vai tendo uns electrochoques de violência, particularmente quando ilustra as narrações das testemunhas com flashbacks. É neste ponto que temos o primeiro vislumbre dos vilões, dois homens frios e assustadores, provavelmente homossexuais, moldados claramente à imagem de Mr. Kid e Mr. Wint do livro/filme de James Bond ‘Diamonds are Forever’ (1971). Estes são interpretados por David Barbour e Adam David Thompson, que conseguem em momentos chave gelar a espinha do espectador, embora as suas personagens pouco fujam do lugar comum.

À medida que vai avançando na investigação, Matt descobre que o modus operandi destes vilões é sempre o mesmo, e que já cometeram estes crimes anteriormente. Raptam uma mulher ou filha de um traficante de droga, pedem um resgate avultado e matam a refém na mesma, o que quer que aconteça. Com a invulgar ajuda de um rapaz sem abrigo que encontra na biblioteca publica, T.J. (interpretado por um finalista de X-Factor de nome Astro), Matt fica cada vez mais perto de descobrir estes assassinos. E quando a filha de mais um traficante de droga é raptada (outra adolescente, já são dois para Matt se redimir…) está na altura do showdown e de Matt, que até ao momento praticamente se ficou por conversar, pensar e andar de um lado para o outro, mostre finalmente as suas valências como herói de acção. Isto inclui mais um telefonema em que ele ameaça os vilões de que irá dar cabo deles, provocando um silêncio carregado de faiscas, e gerando um sorriso de antecipação no espectador, à imagem de ‘Taken’ (para além da linha argumental da ‘adolescente raptada’, que também é parecida). E tudo leva ao desenlace, à troca ‘miúda por dinheiro’, num cemitério, entre as lages, onde no início do filme havia sido encontrado um corpo cortado aos bocadinhos…

‘A Walk Among the Tombstones’, apesar de pertencer a um género que vai aparecendo às dezenas cada ano, distingue-se porque tem particularidades bastante interessantes. Todo o estilo de realização herda de um escola clássica, o que é óptimo - crédito para este realizador quase estreante que ainda não apanhou vícios, nem ambiciona ‘ser artístico’. Mas ao mesmo tempo há demasiada artificialidade nos enquadramentos, nas personagens e nas emoções. A Nova Iorque de 1999 parece uma era distante, em que se falava de uma forma diferente (calão dos nineties é o que mais se ouve) e pouco se percebia de tecnologia (as bocas ao millennium bug são ligeiramente engraçadas, mas só na perspectiva dos dias de hoje). Já as personagens seguem padrões bem definidos, e tirando Matt, as restantes têm muita pouca profundidade. Se fossem elementos descartáveis da trama ainda se percebia, mas a maioria resiste até ao final, o que se torna algo enervante. A própria relação de Matt com T.J. nada mais é que o artifício mais antigo do mundo para ajudar a redimir o nosso herói e lhe dar um propósito de vida e um novo recomeço. Felizmente, o argumento arranja quase sempre maneiras de escapar ao cliché. Veja-se a cena em que Matt tenta dissuadir este miúdo de rua de andar com uma arma. Acaba por ser um dialogo com piada.

Mas por existir sempre este tom relativamente leve na filmagem (embora não hajam momentos de humor, e haja alguma violência explícita), por existir esta estilização nos enquadramentos (se dissesse Scorsese no genérico os críticos faziam vénias), e por existir este artificialismo na história, quase de lenda e menos de vida real (veja-se o tom das primeiras entrevistas às testemunhas), o filme não se leva, nem se consegue fazer levar, a sério. Está consciente de que é um produto de série B e, desviando-se ocasionalmente para cima e para baixo, vai mantendo esse tom. Recordou-me ‘Shoot’em Up’ (2007) um filme que nunca é abertamente engraçado, mas nunca se leva a sério. ‘A Walk Among the Tombstones’ é mais profundo, mais consistente e menos fantasioso, mas não deixa de ter esse tom de ‘isto é só um filme’, ‘tudo vai acabar bem’, e ‘desfrutem do espectáculo’. Felizmente, nunca descamba para o ridículo ou para o gozo. Mantém-se sóbrio, sério e integro, tal como a personagem de Liam Neeson. Mas só se Scott Frank tivesse o talento de Clint Eastwood é que conseguiria criar uma obra de apelo aos críticos e um sucesso de bilheteira com esta história (cf. Gran Torino). Mas há espaço para o realizador crescer.

Contudo é inegável o apelo que o filme proporciona. Quando Neeson veste as velhas roupas e prepara as armas para o confronto final, há um enorme sentido de antecipação. E cada vez que a câmara mostra fugazmente o duo de assassinos isso provoca um efeito no espectador. Este filme pode não ganhar um único prémio, mas valeu a pena tê-lo ido ver ao cinema (na realidade ganhei um bilhete para a ante-estreia, por isso foi de graça!). Está desgarrado do seu tempo, mas ainda pede ao espectador para um último mergulho nessa forma de fazer cinema. E o espectador aceita o desafio de bom grado, ciente de que não vai ver uma obra prima, nem algo de muito original, mas contente pelas duas horas de entretenimento. O filme tem pouca profundidade e muita previsibilidade, não enaltece os bons nem os maus (afinal, estamos a falar de criminosos a fazerem mal a criminosos), mas dá espaço para que todos se redimam, mostrando uma chama de humanidade e uma luz ao fundo do túnel, rumando para um final tão feliz quanto possível. E se como filme de acção pode ser desapontante (não chega aos calcanhares do dinamismo de ‘Taken’), como filme de investigação detectivesca até não está nada mal, com poucas surpresas, poucos twists, mas uma construção aceitável e sólida. E tem mais piada ver esta personagem de Liam Neeson, que ainda é fresca e ainda tem tudo para dar, do que ver de novo o seu Bryan Mills de 'Taken', que já está morto e enterrado em termos de originalidade, mas que irá ser regenerado para sequelas ad æternum.

Por todos estes aspectos não foi, como temia, uma ida perdida ao cinema. Tenho de agradecer a Scott Frank por este pedacinho de old school, e a Neeson por ter a seriedade para manter o filme sério. O filme pode pecar por ter inocência e ingenuidade, e uma história que por definição nunca poderá ser muito interessante, mas com o material que existia Frank tornou este filme humilde num pedaço de entretenimento jeitoso, ideal para um serão despreocupado. Estou curioso para saber se, como realizador, conseguirá dar agora o passo em frente. 

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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