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Vencedores do Óscar de Melhor Música: 1980-1989 - a era da balada pop

Os anos 1980. Os saudosos anos 1980. Os gloriosos anos 1980. A década em que o alheamento dos anos 1970 deu lugar a uma exuberância social e cultural. A década do desenvolvimento tecnológico (o mítico 'made in Japan', o Spectrum, os primeiros Mac), do consumo desenfreado (quando os centros comerciais se tornaram um estado de vida). A década das grandes aventuras cinematográficas, da génese dos filmes de acção modernos, dos filmes de adolescentes que marcaram a minha, a nossa geração. A década de Indiana Jones, Back to the Future e do Brat Pack (cuja viagem musical já narrei nestas páginas).

Mas também foi a década em que o rock deu lugar ao pop rock, que de repente se tornou uma 'coisa'. Os homens puseram maquilhagem, os cabelos ficaram maiores e as baladas mais épicas, tendo o seu expoente máximo nas composições de Jim Steinman. Os sons electrónicos do disco deram lugar à batida do sintetizador. A dança extravasou o dancefloor para estar nas ruas, como cantaram David Bowie e Mick Jagger. Ao mesmo tempo, a balada regressou em força, quer com uma veia saudosista (a reminiscência dos anos 1950), quer aliada aos novos estilos, criando híbridos a meio caminho entre o kitsch, o clássico e o pop moderno. Mais importante que tudo, foi a década em que os CD substituíram os Vinil, em que a MTV foi para o ar, em que os videoclips fizeram e quebraram artistas, e onde de súbito a música ganhou uma importância comercial e cultural que nunca tinha tido.

"Analisar hoje, em retrospectiva, as dez músicas que ganharam o Óscar de Melhor Música entre 1980 e 1989 é muito mais do que uma trip down memory lane. É um verdadeiro estudo sociológico de uma era."

E de todos os meios do entretenimento, foi o cinema o que mais rapidamente se apropriou da nova maneira de sentir e viver a música. De repente, todos os filmes passaram a ter um single e um videoclip. De repente, de uma forma jamais vista na história do cinema, a sétima arte e a música uniram-se para obter vantagens mútuas; os filmes podiam ser promovidos em três minutos na MTV, e os cantores aumentavam a sua popularidade chegando a novos públicos. E como bem sabemos, tudo o que é comercial vai mais cedo ou mais tarde parar aos Óscares.

Analisar hoje, em retrospectiva, as dez músicas que ganharam o Óscar de Melhor Música entre 1980 e 1989 é muito mais do que uma trip down memory lane. É um verdadeiro estudo sociológico de uma era. É compreender o que movia uma geração inteira. Veja-se como dos dez Óscares atribuídos, quatro foram para músicas de filmes sobre dança, verdadeiros hinos pop entre o inspiracional e o romântico que ainda hoje nos fazem vibrar. Outros cinco foram para baladas românticas maiores que a vida, como só os eighties conseguiram produzir, sendo que apenas 'Let the River Run' quebra um pouco com a fórmula-padrão da década. E somente o último vencedor, em 1989, representaria um género totalmente diferente, antecipando o estilo que dominaria completamente os Óscares de Melhor Música nos anos 1990: o single de um filme de animação.


Ainda hoje todos vivemos a música dos anos 1980 de uma forma especial, entre o saudosismo sentido derivado do poder das baladas e da forma como definiram uma geração, e o sorriso condescendente pelo exagero exuberante de um kitsch inevitavelmente datado, mas ternurento. Reaviva agora essa gloriosa chama comigo mais uma vez, caro leitor, percorrendo esta década em Óscares...


1980 - "Fame" (do filme 'Fame')

Música: Michael Gore | Letra: Dean Pitchford | Interpretação: Irene Cara

Num parágrafo: A época começou em êxtase com o tema que se transformaria na bíblia dos jovens aspirantes a artistas e que se tornaria ainda mais familiar para uma geração com a série de televisão que o filme inspirou. Um tema para literalmente dançar no meio da rua, expressando em partes iguais a luta, a dedicação e a exuberância das pessoas que nascem com a arte no coração. O compositor Michael Gore venceria igualmente o Óscar de Melhor Banda Sonora nesse ano e a interprete, Irene Cara (a famosa Coco no filme - mas não na série) voltaria a dar o ar da sua graça nos Óscares de 1983...



1981 - "Arthur's Theme (Best That You Can Do)" (do filme 'Arthur')

Música e Letra: Peter Allen, Burt Bacharach, Christopher Cross e Carole Bayer Sager | Interpretação: Christopher Cross

Num parágrafo: O terceiro e último Óscar para o celebrado compositor Burt Bacharach (após ter ganho Melhor Banda Sonora/Melhor Música em 1969 por 'Butch Cassidy and the Sundance Kid') chega com uma balada que por um lado é típica dos anos 1980 na sua sonoridade (incluindo um solo de saxofone) mas por outro tem fascinantes factores distintivos. O facto de ter sido expressamente escrita para o filme e referenciar directamente a personagem de Arthur e a sua luta, torna-a única (ainda hoje!) nos meandros desta categoria dos Óscares, Mas depois há ainda a etérea e memorável voz de Christopher Cross (será que os pais lhe chamavam ChrisCross?!). Em suma é uma cantiga simpática e melodiosa que não cansa com múltiplas escutas.



1982 - "Up Where We Belong" (do filme 'An Officer and a Gentleman')

Música: Jack Nitzsche e Buffy Sainte-Marie | Letra: Will Jennings | Interpretação: Joe Cocker e Jennifer Warnes

Num parágrafo: Curiosamente, 'An Officer and a Gentleman' ganhou exactamente os mesmos Óscares que 'Arthur' no ano anterior; Melhor Actor Secundário e Melhor Música. 'Up Where We Belong' é daquelas baladas para acabar com todas as baladas; daquelas baladas para fazer chorar, como diz a minha esposa, as pedras da calçada. Eighties de ponta a ponta, o facto de poucos hoje associarem este dueto, que vai subindo até aos píncaros do épico (Cocker parece até que vai explodir!), ao filme é o mais irrelevante, porque facilmente extravasa o filme. O letrista Will Jennings iniciaria pouco depois uma prolifera colaboração com compositor James Horner, culminando num segundo Óscar em 1997, pela letra de 'My Heart Will Go On' do filme 'Titanic'.



1983 - "Flashdance... What a Feeling" (do filme 'Flashdance')

Música:  Giorgio Moroder | Letra: Irene Cara e Keith Forsey | Interpretação: Irene Cara

Num parágrafo: Giorgio Moroder já havia ganho um Óscar pela Banda Sonora de sonoridades electrónicas de 'Midnight Express' (1978). Irene Cara já havia interpretado um tema que havia ganho o Óscar, o de 'Fame'. Juntos sabiam perfeitamente o que compor para mais um filme sobre uma jovem buscando um sonho de dança; um filme onde a fachada visual e sonora é tudo e o conteúdo é relegado para segundo plano. O tema de 'Flashdance' é precisamente isso: mais um hino cuja batida fica preso no ouvido e dá vontade de dançar vertiginosamente, mas cujo conteúdo é batido, reforçando com frases simples e directas os velhos lugares comuns: "Take your passion and make it happen"!



1984 - "I Just Called to Say I Love You" (do filme ' The Woman in Red')

Música, Letra e Interpretação: Stevie Wonder

Num parágrafo: Uma música de contornos simples, com uma sonoridade imensamente comercial e que se tornou um dos maiores sucessos do ano, mas que na realidade tem muito pouco a ver com o filme pelo qual ganhou o Óscar e o Globo de Ouro (uma comédia com Gene Wilder). A popularidade de Stevie Wonder ajudou, e muito, a música a bater 'Against All Odds' de Phil Collins, 'Footloose' de Kenny Loggins, ou até o popular 'Ghostbusters' de Ray Parker Jr. Mas sinceramente, quem é que consegue ouvir, hoje em dia, esta música algo datada sem enjoar um par de vezes seguidas? E do videoclip nem se fala. A pior música desta lista, em retrospectiva.



1985 - "Say You, Say Me" (do filme 'White Nights')

Música, Letra e Interpretação: Lionel Richie

Num parágrafo: Mais um Óscar, mais uma balada romântica, mais um filme de dança; um drama de Taylor Hackford (o realizador de 'An Officer and a Gentleman'), com Gregory Hines e o mítico Baryshnikov, passado na União Soviética dos anos 1980. Desta vez, a música é menos para dançar exaltado rua fora, e mais para dar uns passinhos de slow com a cara-metade, cortesia da voz doce de Lionel Richie. Ou não será? A meio a música muda inesperadamente de tempo, acelerando como que a ceder à pressão da década; uns breves momentos de êxtase para depois poder regressar, tranquilamente, ao seu ritmo mais lento e permitir que todos possam terminar a canção bem agarradinhos aos seus respectivos parceiros de dança. Uma interpretação sentida de Ritchie que funciona, e bem, ainda hoje.



1986 - "Take My Breath Away" (do filme 'Top Gun')

Música: Giorgio Moroder | Letra: Tom Whitlock | Interpretação: Berlin

Num parágrafo: Terceira nomeação, terceiro Óscar para Giorgio Moroder. Duas notas em espiral, depois três. Apenas cinco no refrão. E voilá, um incrível sucesso comercial, num filme pensado e executado ao pormenor para ser exactamente aquilo que foi: um monstro da bilheteira. E para ajudar a promovê-lo, a voz de Terri Nunn, a vocalista dos Berlin (que havia perdido por uma unha negra o papel de Princesa Leia uns anos antes...), numa música que faz mais do que promover o romance quente entre Tom Cruise e Kelly McGillis no filme. Realmente, podemos dizer que nos dá a sensação de ser cantada lá do alto, no meio das nuvens, onde o ar é rarefeito e verdadeiramente ficamos sem fôlego. A simplicidade musical "em pessoa", com uma letra até deveras trabalhada, para levar as rádios ao rubro, poder ser repetida vezes sem conta e ainda hoje ser considerada "um clássico".



1987 - "(I've Had) The Time of My Life" (do filme 'Dirty Dancing')

Música: John DeNicola, Donald Markowitz e Franke Previte | Letra:  Franke Previte | Interpretação: Bill Medley e Jennifer Warnes

Num parágrafo: O filme de dança definitivo que fechou a década tem como single uma música que encaixa nele como uma luva, porque se rege pelos mesmos princípios. Tal como o filme, é uma mescla de estilos, piscando o olho ao passado e aos clássicos, abraçando várias culturas (principalmente a latina), mas mesmo assim não deixando de ser um hino por excelência dos anos 1980. Ninguém mete a bebé a um canto. E a esta música também não, mesmo que realmente só o refrão exuberante se destaque. Mas que refrão! A sua inata veia saudosista, da própria temática do filme ao título da canção (que é o refrão) levaram-na a ser, desde então, não só continuamente recordada, como a ser usada e re-usada em montagens nostálgicas, de namorados, de colegas de liceu, e até de filmes dos anos 1980. Realmente esta é a música que não nos deixa esquecer que, para muitos da nossa geração, os eighties foram realmente o tempo das nossas vidas...



1988 - "Let the River Run" (do filme 'Working Girl')

Música, Letra e Interpretação: Carly Simon

Num parágrafo: A comédia romântica de sucesso 'Working Girl' não ganharia os Óscares de Melhor Filme, nem de Melhor Realizador, nem de Melhor Actriz, nem os dois de Melhor Actriz Secundária para o qual estava nomeado. Mas ganharia Melhor Música num ano invulgar (só três nomeados em vez dos habituais cinco). Que é a melhor das três depende dos gostos, mas a verdade é que esta música da autoria de Carly Simon (a popular cantora americana que uma década antes tinha cantado 'Nobody Does it Better' para o filme de James Bond 'The Spy Who Loved Me') distingue-se pela sua originalidade numa era de padrões repetitivos. Com uma sonoridade gospel que vai subindo, subindo, subindo de tom até um clímax glorioso, e uma letra metaforicamente bíblica, reflectindo os nossos tempos (canta-se a passagem da beira do precipício para a utopia de uma Nova Jerusalém), a música fica no ouvido e a alegria de Simon é contagiante. E não é para menos. Com este tema tornou-se a primeira artista na história a ganhar o Óscar, o Grammy e o Globo de Ouro com uma música composta e interpretada inteiramente a solo. Grande feito.



1989 - "Under the Sea" (do filme 'The Little Mermaid')

Música: Alan Menken | Letra: Howard Ashman | Interpretação: Samuel E. Wright

Num parágrafo: A Disney renasceu em 1989 com 'The Little Mermaid' muito por graça do trabalho de uma das mais geniais duplas compositor-letrista de que há memória: Alan Menken e Howard Ashman. A sua arte no cinema de animação só duraria mais um par de anos, por 'Beauty and the Beast' e algumas músicas de 'Aladdin' porque Ashman morreu precocemente com SIDA em 1991. Mas as suas composições viverão para sempre na infância eterna de todos nós. Pessoalmente, prefiro mais 'Part of Your World' (também nomeada) um hino de emancipação jovem, mas é preciso admitir a genialidade de 'Under the Sea'; uma música incrivelmente ritmada, de sonoridades jamaicanas e com (muitos se esquecem disso) uma soberba letra de Ashman, fazendo trocadilhos com nomes de peixes ao longo de várias estrofes. Quebrando com o estilo dos anos 1980, abriria caminho para os anos 1990, onde Menken chegaria a 1995 já com 8 Óscares ganhos (quatro vezes o vencedor de Melhor Música e outras tantas de Melhor Banda Sonora) e onde os filmes de animação arrecadariam sete dos dez prémios de Melhor Música.


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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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